5 de dezembro de 2022

 

Como Clésia, Mizac conceitua a Proposta Triangular relacionando-a com certas ações: “não sei até onde eu consigo compreender, com exatidão, o que é a Proposta Triangular. Mas o que eu diria [...] é isso: que ela tem três eixos e que não necessariamente [são trabalhados] na ordem: o ver, o sentir e o fazer”. Para ele, a proposta é uma maneira de fechar e aparar arestas; só mostrar os artistas “[...] não funciona. [...] não pode chegar só com a imagem, só para [o aluno] sentir”. Ele acredita que comentar a obra e o artista facilitará ao aluno uma compreensão mais precisa dos múltiplos sentidos que a obra pode ter e que isso pode instigar mais seu interesse pela disciplina. Ele justifica o uso que faz da Proposta Triangular assim:

Arte não é uma coisa solta. [...] o ver, o sentir e o fazer [...] acontece meio que junto. É lógico que o fazer tem que vir depois. Você perde se não sensibilizar o aluno para que ele realmente venha a se interessar mesmo. [...] Eu sigo isso [...] porque acho que é por aí que funciona.

Da fala de Mizac a seguir, depreende-se a justificativa para o uso da Proposta Triangular: é porque se trata de conhecimento adquirido no curso de Artes Visuais: “O que eu estou vivendo na faculdade é isso, né? [...] Tenho que fazer a mesma coisa com meu aluno”. Ele disse que, da Proposta Triangular, aplica em sua prática pedagógica o trabalho por projetos. “Eu não gosto da coisa solta. Eu quero ‘romper com o [papel] a4’, [isto é] romper com os padrões, com uma série de coisas.”

Quanto à prática de aulas teóricas, argumenta ele:

[...] às vezes, eu tenho deixado o fazer de lado. Eu ponho os alunos para produzir, mas me cansa a produção à toa, aquela produção banal, aquela coisa mecânica, onde a diretora da escola vai querer pendurar; de repente, vai ser um trabalho que não vai ter aquele acabamento estético, clássico, que não pode ter deformação, distorção.

A temática dos projetos de Mizac parece ser quase toda baseada na arte contemporânea ou no dia-a-dia do aluno: “Meu trabalho é muito aluno”. Ele diz que acha importante explorar o presente:

Aconteceu, por exemplo, um monte de coisas, uma explosão, o mensalão... [Então], quando eu estou trabalhando com história da arte, eu sempre trago para o agora, para o dia de hoje. [Se] estou trabalhando com Grécia, aquele monte de coisas sobre o poder, [não faz sentido] se não fizer relações.

Barbosa (2002b) trata desse uso de imagens da vida diária em sala de aula. Ela argumenta que a alfabetização visual pressupõe leitura do discurso visual e que esta não se resume à análise de forma, cor, linha, volume, equilíbrio, movimento, ritmo; sobretudo, “[...] é centrada na significação que esses atributos, em diferentes contextos, conferem à imagem [...]. Os modos de recepção da obra de arte e da imagem, ao ampliarem o significado da própria obra, a ela se incorporam” (barbosa, 2002b, p. 18). Com a mídia veicula imagens, em geral, para venderprodutos, idéias, conceitos —, a leitura de imagens fixas/móveis da publicidade pode criar condições de se preparar o público para ler obra de arte. Segundo Barbosa, esta é a tendência atual: “associar o ensino da arte com a cultura visual” (2002b, p. 19).

Várias vezes, Mizac mencionou sua preocupação com o modo de aluno ver a arte e o ensino da arte, assim como sua vontade de interferir.

[...] infelizmente, ainda estão muito presos no sistema mecânico, quadro e giz. O aluno vê mecanicamente a aula e também mecanicamente a arte. Para ele, o cotidiano não é arte. Não consegue ver que isso [o cotidiano] é arte, que a arte pode ser produzida a partir da realidade.

Eis um exemplo do trabalho desenvolvido por ele com base na propaganda eleitoral. Mizac pediu aos alunos que trouxessem santinhos[1] para a sala de aula a fim de estudarem “composição”. De início, com os alunos, fez uma série de análises fisionômicas: “Discutimos como era cada cara, rosto, [se] careca, cabeludo; como cada [candidato] se vendia — tudo isso feito de maneira empírica, nada de termos técnicos e classificações; naturalmente, ia surgindo sem classificações” (fig. 16 e 17). Depois, ele propôs quebrar essa estrutura, interferindo na imagem; os alunos, então, fizeram recortes e colagens: trocaram olhos e bocas, fazendo montagens (fig. 18). A seguir, Mizac aplicou a técnica de desenho de ampliação das figuras resultante da colagem (fig. 19) e, por fim, a pintura de um retrato criado pelo aluno.


figura 16. Mizac e um aluno à procura de imagens

Fonte: acervo de Cátia Queirós.

figura 17. Alunas de Mizac folheiam revistas

Fonte: acervo de Cátia Queirós.

figura 18. Colagens/montagens com panfletos de propaganda eleitoral

Fonte: acervo de Luciano Carvalho.


figura 19. Ampliação feita por alunos de Mizac

Fonte: acervo de Luciano Carvalho.


Mizac afirmou que “não quis ficar falando de muito movimento”, isto é, entrar na história da arte. Mas comentou com os alunos a maneira expressionista de trabalhar — alterando as formas e as cores — e que deve ter mostrado imagens artísticas. “Eu vivo recortando, eu levo reproduções de artistas, imagens de jornal, propaganda, imagens do dia-a-dia; eu pego propaganda na rua, fotografia, trabalho meu”. Depois arremata: “Esse negócio de Proposta Triangular, eu acho que sigo mais ou menos assim: é como se fosse um tripé de câmara fotográfica. Depende do terreno, da situação: você precisa descer um lado mais, encurtar o outro... Mas a gente sempre usa os três lados”.

Dentre os/as entrevistados/as, apenas Tininha teve dificuldade em conceituar a Proposta Triangular. Disse que “conhecia um pouquinho”. Depois de incentivá-la a responder, ela prosseguiu: “Não tenho certeza [...] Seria a parte humana, a parte teórica... É a parte de passar o ensino, de humano mesmo”; para então perguntar: “Mas eu estou dentro?”. Na continuidade da conversa e em visita posterior a ela no local onde trabalha, pude ver como desenvolve sua ação docente e como prioriza o trabalho com imagens de obras de arte. Tininha conhece o termo releitura e diz desenvolver essa prática com as crianças. Mas em momento algum diz que usa a Proposta Triangular no ensino de arte. 









[1] Santinhos é a designação dada a panfletos de propaganda eleitoral onde está estampada uma foto do candidato.

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