24 de dezembro de 2022

Continuação... Considerações finais

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

 

Esta pesquisa foi: um reencontro com a artenos trabalhos contemporâneos de Mizac; um mergulho nas palavras — na fala de Raquel; um passeio pelas coresnos depoimentos de Tininha; uma apreciação de formas nas suas multiplicidades — nos trabalhos de Clésia. Mais que isso, esta pesquisa é uma parte ínfima de uma investigação mais ampla sobre a formação de professores no Brasil — sujeitos do conhecimento com saberes peculiares a seu ofício.

Especificamente, tratou da formação de professores de Arte: disciplina incorporada ao currículo escolar após ser disseminada no Brasil entre 1980 e 2000, pelo movimento pós-moderno do ensino da arte, apoiado na premissa de que arte é conhecimento. A imagem artística entrou na escola para ampliar o sentido cognitivo da arte, pois alargar a imaginação é potencializar a cognição (barbosa, 2006b). Na educação, a arte desenvolve formas de pensar, interpretar e construir realidade, graças à exploração de múltiplas respostas e perguntas e às possibilidades de significação que o objeto artístico suscita. Ela amplia o pensamento divergente, pois não tem certo e errado; tem o mais adequado ou menos adequado, mais significativo ou menos significativo, mais inventivo ou menos inventivo (barbosa, 2006b).

A essa investigação maior, subjaz o pressuposto de que a prática docente não é campo propício à aplicação de saberes produzidos por outros; também o é à produção, transformação e mobilização de saberes próprios aos professores (tardif, 2003). Como se sabe, a formação de professores é o momento de aquisição dos saberes docentes; nela, saberes sociohistóricos se alternam com saberes disciplinares e do fazer pedagógico; logo, mudanças nesse nível podem ajudar a superar, na prática, a visão estática e rígida que se tem da educação hoje. Tais mudanças podem se traduzir na revisão de conceitos e concepções que permeiam a estrutura dos cursos (concepção de arte e educação, por exemplo), em sintonia com a contemporaneidade para que a formação acompanhe o presente.

Para esse âmbito convergiram os objetivos desta pesquisa ao enfocar os vínculos entre estudantes-professores/as e a Proposta Triangular para o ensino de arte: saber como a concebem? A põem em prática? E se apenas a reproduzem, ou se também a interpretam? Visto que se propõe como ensino da multiplicidade do pensar, a Proposta Triangular se desenha sobre bases teóricas. Todavia, ao se considerar que a cultura está em transformação constante, por ser produto das relações sociais, e que o conhecimento é construção histórico-social, é necessário que essa proposta seja imaginada em movimentos, também, constantes: que a adaptem à realidade e a tensões culturais que promovam questionamentos e incitem à ação, à busca de novas propostas metodológicas.

Nesses termos, esta pesquisa mostrou como cada personagem a Proposta Triangular: com certa singularidade. A leitura se difere; assim como as releituras e adaptações se distinguem. Não poderia ser diferente. Afinal, como se pode ler nas entrevistas, a prática educativa de cada estudante-professor/a esteve impregnada de história de vida e de referências culturais próprias. Por isso, reafirma-se a concepção de que, se nãoresposta única para o fazer artístico, tampoucopara o ensino de arte. Daí a importância de se adequarem as propostas de ensino segundo seu tempo e suas condições; de se promover um ensino crítico e reflexivo, voltado não à produção artística do aluno.

É preciso ter em mente que o trabalho do professor não é simples transmissão de conhecimentos produzidos por outros; nem se resume a ter competência técnica para adequar conteúdos ao que deve ser aprendido pelos alunos. Os métodos não podem ser vistos como receitas, “tábuas de salvação”. Se o professor busca metodologias e propostas de ensino, muitas vezes sem refletir sobre a validade e possibilidade de concretização destas, ele o faz para sobreviver à criação de avaliação, currículos, estratégias de controle disciplinar do aluno, livros didáticos, programas e outros elementos componentes de um programa institucional escolar.

Todavia, programas institucionais não vão salvar a atividade docente. Antes, é fundamental repensar a educação com um olhar para a mudança e alimentar um olhar crítico sobre a natureza das mudanças em curso. Nesse repensar, ser professor por completo é mais que se adaptar aos novos tempos: é propor mudanças; e seu trabalho exige esforço, pesquisa, projetos, assim como o fazer artístico demanda trabalho, determinação, paciência, ir e vir. Trata-se da “[...] consciência do inacabamento. [...] A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca.” (freire, 2004, p. 57).

O curso de licenciatura em Artes Visuais do Centro de Ensino Superior de Uberaba (CESUBE) com o reconhecimento pelo Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais – CEE-MG, ainda muito recente (em 2006), pode crescer substancialmente, ao propor debates entre os professores sobre as diferentes metodologias para o ensino de arte e mesmo incentivar a continuidade da formação acadêmica destes como o ingresso em mestrado e mesmo doutorado na área de arte ou na educação.

 

O trabalho docente teve o status de sacerdócio marcado pela vocação; mas, na sociedade pós-moderna — da escola como fábrica, dos alunos como números e das disciplinas e notas como produção —, a lógica racionalizadora o engole: o professor se torna executor de planos e currículos, em vez de participar da elaboração de propostas curriculares; diga-se, em vez de orientá-las para suas necessidades e debatê-las do ponto de vista de quem atua diretamente na sala de aulafim último de tais propostas. Como o professor não decide nem controla seu trabalho, este se reduz à execução de tarefas e à sobrevivência diáriamuito embora a essência do trabalho docente esteja não na legislação, na regulamentação, mas no sentido do ofício: no próprio desejo de entender e compartilhar a vida, de abrir, com os alunos, um caminho para que as coisas tenham sentido (contreras, 2004), inclusive a educação.

Conceber os professores no exercício de sua função como agentes que podem transformar e cuja ação ocorre na interação com outros é reconhecer que, ao transformarem, transformam-se. O professor constrói aulas e, em cumplicidade com alunos e colegas de docência, amplia seu conhecimento. Assim, se conhecer é construção pessoal, é também coletiva: o trabalho docente necessita ser concebido e desenvolvido em conjunto. A prática educativa não pode se reduzir à ação do professor em sala de aula, pois ela ultrapassa os limites físicos desta para integrar uma culturaque se sobrepõem à prática pedagógica e a influencia.

Assim sendo, então um autêntico sentido da educação se esboça quando professores/as participam, fazem valer sua presença singular, compartilham relações, atividades e perguntas, partindo do saber de que “[...] o ensino não está dado a priori, que o encontro pedagógico há de se recriar a cada dia e que as relações não estão predeterminadas” (contreras, 2004, p. 17, tradução minha);[1] de que a educação não é instrumento, mas processo criativo de transformação. Por isso, em cada gesto e em cada opção pedagógica: a construção da capacidade de mudar.

 

 

 

 

 



[1] Tradução:“[…] la enseñanza no está hecha a priori, que el encuentro pedagógico hay que recrearlo cada dia y que las relaciones no están predeterminadas.”

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