3.4.1 Releitura
como fazer artístico no ensino
de arte
Ao se referirem à produção artística, dois estudantes-professores empregam a palavra
releitura como parte
da Proposta Triangular.
Mizac verbaliza assim: “[..]
sensibilizou? [...] Ah, beleza! Então, vamos lá! Agora é a
releitura, onde se vai apurar,
especular, investigar e buscar [a obra do artista]”. Para Clésia, a
releitura é um dos eixos
da Proposta Triangular:
“[...] embasada em alguma obra [...], a gente
leva para o cotidiano, [...] para o nosso contexto,
e chegaria até o caso
da releitura, né?”.
Mas, o que
autores que
discutem o ensino de arte
entendem por releitura? Segundo Pillar (2003), reler é ler de novo, é reinterpretar,
é recriar sentidos.
Barbosa dá vários exemplos
de releitura como prática
educativa no capítulo
“Leitura da obra
de arte”, de sua
obra A
imagem no ensino
da arte (1996). Para os/as entrevistados/as, a releitura é uma forma de aproximar o aluno das obras
de arte; é a proposta
de uma nova leitura,
um novo olhar sobre algo já visto.
Na releitura, um artista, para criar seu
trabalho, parte
da obra de outro
artista, porque
os textos se inter-relacionam —
intertextualizam — e porque as leituras são
múltiplas, isto é, há muitas releituras.
A releitura pode ser observada na produção
de muitos artistas
que reinterpretam obras
do passado. Trata-se de prática
experimentada por muitos:
por exemplo,
Pablo Picasso (1881–1973) releu Almoço na relva (fig. 25 e 26), de Édouard Manet (1832–83). Manet buscou
idéias na obra
O julgamento
de Páris (fig.
27), de Rafael (1483–1520), que, por sua vez,
recorreu à representação romana clássica
para criar sua obra (fig. 28).
Em âmbito
nacional, destaca-se o projeto “Releitura” da Pinacoteca
do Estado de São
Paulo, nos anos
de 1980, caracterizado como
prática de reflexão.
Nessa experiência, os artistas interagiam com
obras do acervo
da Pinacoteca, recriando-as. Contudo, na educação
do ensino de arte,
muitos professores
ainda encaram a releitura como cópia. E
se se pode dizer que
esta tem utilidade como
forma de aprimoramento
técnico, não
se pode reconhecer nisso atividade
de transformação nem de interpretação, tampouco
de criação — estágios
explorados na atividade de releitura, que estimula a criação
com base
num referencial, num texto visual, explícito
ou implícito.
Portanto, a releitura pode ser tomada como diálogo entre textos. Sobre isso, diz
Barbosa:
Quando o aluno
observa obras de arte
e é estimulado e não obrigado a escolher uma
delas como suporte
de seu trabalho
plástico, a sua
expressão individual
se realiza da mesma maneira
que se organiza quando
o suporte estimulador é a paisagem que ele vê ou a cadeira de seu quarto. (1996, p. 107).
O trabalho
de Tininha mostra que,
na prática do fazer artístico, ela ora se aproxima da cópia,
ora dá liberdade
de interpretação. Isso
ocorre entre o trabalho
com obras
e o trabalho de observação
do natural: ao estudar
uma obra de arte,
uma de suas práticas
é pô-la para os alunos
copiarem.
figura 25. Almoço na relva
(1863 — óleo/tela, 208 cm x 264,5 cm)
de Édouard Manet
Fonte: arte nos séculos,
1971, p. 1.417.
figura 26. Almoço na relva - uma das releituras
que Picasso fez.
Fonte: o mundo da arte, 1966,
p. 29.
Figura 27. Detalhe de O julgamento de Páris
(1520, óleo sobre madeira 144,8 cm x 193,7 cm).
Fonte: mitologia, 1973, p. 374.
figura 28. Sarcófago romano,
mostrando deuses fluviais,
século iii d. C.
Fonte: mitologia, 1973, p. 375.
figura 29. Alunos da educação infantil compondo uma produção
plástica
baseada em Sol
poente (1929), obra de Tarsila do
Amaral
Fonte: acervo de Tininha.
figura 30. Alunos da educação
infantil desenham com
base em
A cuca,
obra
de 1924 da pintora Tarsila do Amaral
Fonte:
acervo de Tininha.
Como resultado
desse trabalho (fig. 28 e 29), os alunos
se mantêm fieis às cores
usadas originalmente por Tarsila; também
buscam usar os mesmos
elementos e o mesmo
posicionamento destes no espaço representativo.
figura 32. Exposição, na Fundação Cultural de Uberaba, de trabalhos
plásticos de alunos da educação infantil de
Tininha
Fonte:
acervo de Tininha.
O produto
é outro quando
a prática artística
é feita com base na observação
do natural (fig.
36, 37 e 38). Tal constatação
se apóia no resultado das atividades de “releitura” do quadro
O vendedor
de frutas (1925), também de Tarsila. Segundo
o que me
mostrou Tininha, ela levou para a sala de aula várias frutas,
e as crianças fizeram desenhos e pinturas
“de observação”.
figura 36. Alunos das primeiras séries
do ensino fundamental
desenham observando uma cesta de frutas
Fonte: acervo de
Tininha.
figura 38. Alunos
e alunas se concentram no desenho baseado na observação
de uma cesta
de frutas - Fonte:
acervo de Tininha.
figura 40. Pintura feita
por discentes
com base
em desenho
resultante da observação
de uma cesta de frutas.
Fonte: acervo de
Tininha.
figura 41. O vendedor de frutas
(1925 — óleo/tela 108 x 84cm)
Fonte: www.tarsiladoamaral.com.br/obras7.htm.
Ao se referir
ao ensino pós-moderno de arte
como aquele
que implica análise
interpretativa integrada com trabalho plástico de construção artística, Barbosa frisa
que um
aluno dever ser estimulado a escolher a obra que lhe servirá de suporte
para compor.
O importante é que o professor não exija representação fiel, pois a obra
observada é suporte interpretativo e não modelo para os alunos copiarem. Assim
estaremos ao mesmo tempo preservando a livre expressão, importante conquista do
modernismo que caracterizou a vanguarda do ensino da arte no Brasil de 1948 aos anos setenta, e nos tornando
contemporâneos. (barbosa,
1996, p. 107).
Posto isso, a releitura
no ensino de arte deveria ser tratada como citação ou processo de
intertextualidade (interação entre textos; superposição de textos ou
influência de um texto sobre outro que o toma como modelo ou ponto de partida) para se evitar que a cópia seja
considerada a única forma de reler. Ao reler
uma obra — ao elaborar um trabalho expressivo e pessoal —, o aluno que cita toda
a obra ou fragmentos como parte de seus conhecimentos estará se apropriando dos
possíveis sentidos que a ela suscita e os relacionando com seus conhecimentos
pessoais. No mundo atual, professor auxilia o aluno a ressignificar as imagens,
interpretá-las e torná-las como fonte de informação.
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