23 de dezembro de 2022

Dissertação de mestrado em EDUCAÇÃO- continuação da publicação

 

3.4.1  Releitura como fazer artístico no ensino de arte

 

Ao se referirem à produção artística, dois estudantes-professores empregam a palavra releitura como parte da Proposta Triangular. Mizac verbaliza assim: “[..] sensibilizou? [...] Ah, beleza! Então, vamos ! Agora é a releitura, onde se vai apurar, especular, investigar e buscar [a obra do artista]”. Para Clésia, a releitura é um dos eixos da Proposta Triangular: “[...] embasada em alguma obra [...], a gente leva para o cotidiano, [...] para o nosso contexto, e chegaria até o caso da releitura, né?”.

Mas, o que autores que discutem o ensino de arte entendem por releitura? Segundo Pillar (2003), reler é ler de novo, é reinterpretar, é recriar sentidos. Barbosa dá vários exemplos de releitura como prática educativa no capítuloLeitura da obra de arte”, de sua obra A imagem no ensino da arte (1996). Para os/as entrevistados/as, a releitura é uma forma de aproximar o aluno das obras de arte; é a proposta de uma nova leitura, um novo olhar sobre algo visto.

Na releitura, um artista, para criar seu trabalho, parte da obra de outro artista, porque os textos se inter-relacionam — intertextualizam — e porque as leituras são múltiplas, isto é, há muitas releituras. A releitura pode ser observada na produção de muitos artistas que reinterpretam obras do passado. Trata-se de prática experimentada por muitos: por exemplo, Pablo Picasso (1881–1973) releu Almoço na relva (fig. 25 e 26), de Édouard Manet (1832–83). Manet buscou idéias na obra O julgamento de Páris (fig. 27), de Rafael (1483–1520), que, por sua vez, recorreu à representação romana clássica para criar sua obra (fig. 28).

Em âmbito nacional, destaca-se o projeto “Releitura” da Pinacoteca do Estado de São Paulo, nos anos de 1980, caracterizado como prática de reflexão. Nessa experiência, os artistas interagiam com obras do acervo da Pinacoteca, recriando-as. Contudo, na educação do ensino de arte, muitos professores ainda encaram a releitura como cópia. E se se pode dizer que esta tem utilidade como forma de aprimoramento técnico, não se pode reconhecer nisso atividade de transformação nem de interpretação, tampouco de criaçãoestágios explorados na atividade de releitura, que estimula a criação com base num referencial, num texto visual, explícito ou implícito. Portanto, a releitura pode ser tomada como diálogo entre textos. Sobre isso, diz Barbosa:

Quando o aluno observa obras de arte e é estimulado e não obrigado a escolher uma delas como suporte de seu trabalho plástico, a sua expressão individual se realiza da mesma maneira que se organiza quando o suporte estimulador é a paisagem que ele ou a cadeira de seu quarto. (1996, p. 107).

O trabalho de Tininha mostra que, na prática do fazer artístico, ela ora se aproxima da cópia, oraliberdade de interpretação. Isso ocorre entre o trabalho com obras e o trabalho de observação do natural: ao estudar uma obra de arte, uma de suas práticas é pô-la para os alunos copiarem.



figura 25.  Almoço na relva

(1863 — óleo/tela, 208 cm x 264,5 cm)

de Édouard Manet

Fonte: arte nos séculos, 1971, p. 1.417.


figura 26. Almoço na relva - uma das releituras

                    que Picasso fez.

Fonte: o mundo da arte, 1966, p. 29.



Figura 27. Detalhe de O julgamento de Páris (1520, óleo sobre madeira 144,8 cm x 193,7 cm).

Fonte: mitologia, 1973, p. 374.


figura 28. Sarcófago romano, mostrando deuses fluviais, século iii d. C.

Fonte: mitologia, 1973, p. 375.




figura 29. Alunos da educação infantil compondo uma produção plástica

baseada em Sol poente (1929), obra de Tarsila do Amaral

Fonte: acervo de Tininha.


figura 30. Alunos da educação infantil desenham com base em A cuca, obra

de 1924 da pintora Tarsila do Amaral

Fonte: acervo de Tininha.

Como resultado desse trabalho (fig. 28 e 29), os alunos se mantêm fieis às cores usadas originalmente por Tarsila; também buscam usar os mesmos elementos e o mesmo posicionamento destes no espaço representativo.

figura 32. Exposição, na Fundação Cultural de Uberaba, de trabalhos

plásticos de alunos da educação infantil de Tininha

Fonte: acervo de Tininha.


O produto é outro quando a prática artística é feita com base na observação do natural (fig. 36, 37 e 38). Tal constatação se apóia no resultado das atividades de “releitura” do quadro O vendedor de frutas (1925), também de Tarsila. Segundo o que me mostrou Tininha, ela levou para a sala de aula várias frutas, e as crianças fizeram desenhos e pinturas “de observação”.



figura 36. Alunos das primeiras séries do ensino fundamental desenham observando uma cesta de frutas

Fonte: acervo de Tininha.


figura 38. Alunos e alunas se concentram no desenho baseado na observação de uma cesta

de frutas - Fonte: acervo de Tininha.

 


figura 40. Pintura feita por discentes com base em desenho resultante da observação de uma cesta de frutas.

Fonte: acervo de Tininha.

figura 41. O vendedor de frutas

(1925 — óleo/tela 108 x 84cm)

Fonte: www.tarsiladoamaral.com.br/obras7.htm.

Ao se referir ao ensino pós-moderno de arte como aquele que implica análise interpretativa integrada com trabalho plástico de construção artística, Barbosa frisa que um aluno dever ser estimulado a escolher a obra que lhe servirá de suporte para compor.

O importante é que o professor não exija representação fiel, pois a obra observada é suporte interpretativo e não modelo para os alunos copiarem. Assim estaremos ao mesmo tempo preservando a livre expressão, importante conquista do modernismo que caracterizou a vanguarda do ensino da arte no Brasil de 1948 aos anos setenta, e nos tornando contemporâneos. (barbosa, 1996, p. 107).

Posto isso, a releitura no ensino de arte deveria ser tratada como citação ou processo de intertextualidade (interação entre textos; superposição de textos ou influência de um texto sobre outro que o toma como modelo ou ponto de partida) para se evitar que a cópia seja considerada a única forma de reler.  Ao reler uma obra — ao elaborar um trabalho expressivo e pessoal —, o aluno que cita toda a obra ou fragmentos como parte de seus conhecimentos estará se apropriando dos possíveis sentidos que a ela suscita e os relacionando com seus conhecimentos pessoais. No mundo atual, professor auxilia o aluno a ressignificar as imagens, interpretá-las e torná-las como fonte de informação.







 



 









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