A inclusão
da imagem na prática
educativa do professor
de Arte faz parte
da mudança conceitual
do ensino da arte.
Pode-se dizer que
o trabalho com
imagens na educação
no Brasil foi retomado com a Proposta Triangular, pois se trata de um dos eixos
desta. Segundo Célia Almeida (no prelo),
Barbosa “[...] divulgou intensamente idéias e propostas
metodológicas de autores estrangeiros que
tratavam deste assunto [a leitura da imagem]
— aliás, trouxe muitos
deles para cursos
e conferências”.
Durante várias décadas
do século xx, a imagem artística
ou mesmo
outras imagens vinculadas com o mundo adulto estiveram ausentes
das práticas educativas do ensino de arte, pois eram consideradas como
não educativas; considerava-se que contaminavam a “pureza”
expressiva da criança.
Permaneceu na escola apenas a imagem
produzida pelo aluno.
Se na modernidade “[...] a não-intervenção do professor
e o rompimento com
a imitação de modelos
foram considerados como o mais profundo respeito à natureza
da criança, da criatividade
e da produção artística”
(rossi, 2003, p. 16), no contexto pós-modernista se admite que
a imagem não
prejudica a educação estética; ao contrário,
beneficia e é indispensável, a ponto de ter lugar privilegiado no processo
educativo. Assim,
incluir a imagem
artística no trabalho
educativo se tornou uma forma
de ampliar o repertório
cultural de alunos/as, antes restrito à produção pessoal e a sua
imersão na cultura
de massa.
Como o educador com
formação acadêmica anterior à década de 1990 não foi preparado para orientar
alunos na leitura de imagem, os novos cursos de licenciatura tentam se adequar
à proposta pós-modernista, incluindo no currículo a leitura estética.
Além disso, a temática virou alvo de grande preocupação: foram publicados
artigos e livros sobre o tema.
A Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação (sef/mec) lançou, em 1998, um programa de formação continuada com nome de
“Parâmetros em ação”, dividido em módulos. Um desses módulos é destinado à gestão
da sala de aula e aborda aspectos da organização do trabalho do professor,
oferecendo até sugestões de como encaminhar a leitura de imagens. No entanto,
esses manuais não chegaram ao professor de Arte em Uberaba: a prática da
leitura e apreciação de obras acontece de forma empírica e não há registro de
cursos de atualização que enfoquem essa temática.
Nesta investigação, interessei-me em
saber que tipo de imagem estudantes-professores/as
levam para sala
de aula e como
conduzem a leitura. Tininha e Raquel
trabalham com imagens
de obras de artistas
brasileiros (a maioria);
Clésia leva uma grande
diversidade de reprodução
de obras de artistas
(consagrados ou não,
do código europeu
ou não).
Mizac é o único que
afirma usar, também,
imagens do cotidiano
ou mesmo
da cultura de massa
(embalagens de leite,
panfletos de propaganda
eleitoral, dentre
outros) — atitude
que tem respaldo em
Barbosa (2002b) para ela,
a arte-educação pós-moderna deve se comprometer com a diversidade
cultural; é importante dar
atenção à diversidade
cultural e “[...] não somente
aos códigos europeus
e norte-americanos brancos.
[...] É necessário que
a escola forneça um
conhecimento sobre
a cultura local,
a cultura de vários
grupos que
caracterizam a nação e a cultura de outras nações”
(barbosa, 2002b,
p. 19).
Essa autora constata que quase sempre apenas o
nível erudito
é aceito na escola; raramente
as culturas de classes
sociais economicamente desamparadas são exploradas em
sala de aula
(barbosa, 2002b).
A exceção ocorre em
agosto, quando
se comemora o folclore. Nessa época, a cultura popular ganha status na escola. No caso
do/das estudantes-professores/as, destaco Raquel, cujo
portfolio
contém um trabalho
que explora a produção
de uma artista brasileira
ainda pouco
divulgada na mídia: Mônica Sartori; também ressalto
Mizac, que argumenta
em favor da escolha de artistas
não consagrados:
Eu gosto de sair destes
artistas-padrões, tanto nacionais quanto os de fora... A educação é uma
indústria. Eles investem. É Tarsila... Antigamente ninguém falava [nela]. Nada contra estes artistas, Portinari [por exemplo], famosos, internacionais, mas existe uma
galera enorme de artistas [muito bons],
às vezes até na própria cidade.
figura 23. Reprodução de página do portfolio de Raquel
Fonte: acervo de Luciano Carvalho.
Barbosa (1996) trata de alguns
procedimentos empregados na leitura de obras de
arte — métodos comparativo (como o classifica a proposta de Edmund Feldman) e
multipropósito (de Robert Saunders) —, ela assevera que a metodologia o professor
escolhe:
A
metodologia de ensino da arte usada no Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo integra a História da Arte, o fazer artístico e a
leitura da obra de arte. Essa leitura envolve análise crítica da materialidade
da obra e princípios estéticos ou semiológicos ou gestálticos ou iconográficos.
A metodologia de análise é de escolha do professor. O importante é que obras de
arte sejam analisadas para que se aprenda a ler a imagem e avaliá-la. Esta
leitura é enriquecida pela informação histórica e ambas partem ou desembocam no
fazer artístico. (barbosa, 1996, p. 37).
Nesse sentido, foi
difícil saber dos/das estudantes-professores/as como encaminham a leitura de
imagens. Tive de ler nas entrelinhas de suas falas ou mesmo quando me mostravam
fotos.
A orientação para Raquel desenvolver o processo de leitura com seus alunos veio do que depreendeu do material
da rede Arte
na Escola (rede arte
na escola/arte br). Diz ela:
[...] a primeira pergunta
é: “O que você
vê nesta imagem?”
Depois: “O que
a imagem mostra
para você?”. Essas perguntas parecem a mesma,
não é? Mas
elas trazem respostas
diferentes. Interessante isso! No arte br, eu
fiquei impressionada de ver isso.
O que você
está vendo nesta imagem é tudo, tudo — desde elementos
da composição formal,
até o próprio
tema, estilo.
E depois o que
esta imagem mostra
para você é o que quer mostrar para você.
Aí, pronto.
Muda. Muda
o referencial. Quer mostrar
uma coisa bem alegre, a tristeza; quer falar que existe muito
menino abandonado na rua.
Lançado em 2003, o material arte br foi elaborado por professores e especialistas em
arte-educação
a fim de subsidiarem os professores que lidam com a leitura de imagem em sala
de aula usando obras de artistas brasileiros. O material, também, pretende integrar
o projeto de educação continuada do Instituto Arte na Escola, que resulta da
institucionalização do projeto Arte na Escola, criado em 1989, pela
Fundação Iochpe. Nesse material, a leitura de imagem se fundamenta na teoria
semiótica greimasiana,
que entende a arte como linguagem e o objeto artístico como texto visual. Conforme
instruções do material, a leitura visual deve obedecer à seguinte seqüência:
O
olho, o que
vê? O olho,
o que percebe? De olho
no artista, no Brasil e no mundo. O olho que conta histórias. O olho
que pensa,
a mão que
faz, o corpo que
inventa. Provocando olhares.
O olhar que
dialoga. De olho no museu.
O olho que
refaz o percurso. Linha de vida, tempo da obra. Chave de palavras. O olhar
que descobre. (arte br, 2003,
s. p.).
figura 24. Reprodução de página do portfolio de Raquel
Fonte: acervo de Luciano
Carvalho.
Raquel
afirma que a leitura de imagens importa porque estimula o aluno a ter visão
ampla: “Eles falam assim: ‘Vi o sol. Olhe lá um brilhinho! Nossa! Eu vi muita
cor laranja’. Outro fala assim: ‘Eu vi muitas linhas retas, redondas. Eu vi que
não entendi nada desta imagem!’”.
O trabalho de Mizac com
imagens inclui, a princípio,
a opinião dos alunos
sobre a obra:
“gostei; não gostei; não gostei porque...;
gostou por que?;
achei estranho, bizarro;
já vi algo
parecido”. Ele afirma que, depois, trabalha muito com leitura de imagem e cita que,
quando mostrou aos alunos
os artistas de Goiás Siron Franco e Antônio Poteiro, desenvolveu um exercício de
leitura de imagens
em forma de prova. Em sua descrição,
identifico passos da leitura de imagem
propostos por Edmund Burke Feldman: descrição, análise, interpretação
e julgamento. Mizac, entretanto,
troca o último
passo proposto por
Feldman de maneira mais
criativa e com
sua marca:
[Utilizo] aquele processo, analisando,
descrevendo interpretando e finalizando. [...] A prova estava perfeita.
Para quê eu vou mexer nesta prova? Se ela está perfeita! A última
pergunta era para criar um
slogan ou uma peça
publicitária onde
você colocaria esta imagem
e por quê.
[Foi] a pergunta
mais difícil
porque envolveu o pensar.
Foi valiosa, porque
surgiram coisas interessantes em relação à leitura. (Grifo
meu).
A leitura
de imagens permite construir
conhecimentos visuais.
Não se pode esquecer:
o olhar de cada
leitor terá influencias de suas experiências,
lembranças, fantasias
e interpretações. Não
há só um
modo verdadeiro,
tampouco uma maneira
linear, única
de ler.
O nosso olhar
não é ingênuo:
ele está comprometido com nosso passado, com
nossas experiências, com nossa época e lugar, com nossos
referenciais. Não há o dado absoluto e
não se pode ter
uma única visão,
uma só leitura,
mas se deseja
lançar múltiplos
olhares sobre
um mesmo
objeto. (pillar, 2003, p. 16).
A fala de Tininha revela uma
proposta de leitura visual distinta:
[...] antes de mostrar as imagens, eu falo um
pouco da pessoa que fez a imagem, mas em forma de história, para eles
entenderem. Eu começo a contar história e começo a falar das cores que o
artista usa, o jeito que ele trabalha, [e depois é que] mostro a figura a eles.
Ela argumenta que assim fica “mais
familiar”; afirma que, ao dirigir o olhar dos alunos para uma narrativa
pessoal, quando ela lhes mostra a imagem, “[...] já olham de uma outra forma” e
acreditam que, se “eu não contar uma história antes, eles não vão entender”.
Cabem
questionamentos: não estará Tininha lendo pelo aluno? Não estará dando sua
interpretação da obra para o aluno? Será que sua formação inicial em História
não a conduziu a tal prática? A propósito da importância do ato de ler, recorro
a Freire (1989), para quem o professor não ensina “o que ler”, pois não há uma leitura
correta; há, sim, sentidos que o leitor constrói conforme seu conhecimento de
mundo e seus interesses no momento. Isso porque ler pressupõe percepção,
interpretação pessoal; é um ato de conhecimento e, sobretudo, criador.
Como ler, o ato de ver é processual:
olha-se para depois se ver. Não se vê apenas a parte física de um objeto a ser
focalizado pelos olhos; vêem-se, também, suas relações com o sistema simbólico,
para se lhe atribuírem sentidos, pois
A leitura de obra de arte envolve o questionamento, a busca, a
descoberta e o despertar da capacidade crítica dos alunos. As interpretações
oriundas desse processo de leitura, relacionando sujeito/obra/contexto, não são
passíveis da redução certo–errado. [...] É importante ressaltar que o objeto de
interpretação é a obra, e não o artista, não se justificando processos
adivinhatórios, na tentativa de descobrir as intenções do artista. (rizzi, 2002, p. 67).
Com efeito,
levar imagens
para a sala
de aula e manter
idéias totalizantes e homogeneizadoras
das grandes metanarrativas é o grande equívoco
dos professores (almeida, no prelo). Com isso, ante a dificuldade em escutar a obra abertamente, sem
pré-conceitos, e assim subverter
o que está dado
como certo,
não permitem a alunos
e alunas fazerem sua escuta, para que todos (docente e discentes)
com suas
vozes ajudem a construir
os sentidos da obra
coletivamente.
Passos propostos por
Feldman: descrição
— sugere-se fazer lista
detalhada de objetos e formas presentes
na obra, descrevendo tudo, para ajudar
o expectador a observar a
obra mais
longamente e descobrir
coisas ou
detalhes não
captados antes; análise — observação do procedimento do que
vemos na obra; estuda-se a relação de tamanho
e de localização das formas no espaço,
a relação entre
cor e textura:
os elementos estéticos
da obras; interpretação — baseado nos elementos descritos e analisados da obra, o observador vai significar o trabalho de arte: usam-se palavras
para descrever idéias que
explicam as sensações e os sentimentos que
se têm diante do objeto
de arte; julgamento — decide-se sobre
o valor estético
da obra: é o momento
de explicitar as razões
por que
o trabalho em
estudo é bom
ou ruim
(pedrosa , 2002).
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