30 de maio de 2022

Estudos culturais: percurso histórico

 

1.1  Estudos culturais: percurso histórico

 

O debate sobre cultura ganha fôlego na segunda metade dos anos de 1950, quando o crítico literário e professor britânico Raymond Frank Leavis (1895–1978) propôs usar o sistema educacional para distribuir mais o conhecimento da “alta cultura”. Contra essa concepção elitista de cultura, insurgiram dois estudiosos provenientes da classe trabalhadora inglesa — Richard Hoggart e Raymond Williams — que questionaram as idéias de Leavis e combateram a concepção de cultura comoespírito cultivado”, forma superior de arte, ciência e literatura.

A discussão se consolidaria nos anos de 1960, graças, sobretudo, ao trabalho de um pequeno grupo de intelectuais reunidos na Universidade de Birmingham, Inglaterra. Ali, eles criaram, em 1964, o Centre for Contemporary Cultural Studies/cccs (Centro de Estudos Culturais Contemporâneos) — origem dos estudos culturais (ec), que provocariam uma reviravolta nas investigações sobre a cultura. Nos ec, a cultura é entendida como modo de viver e entender o mundo; como criação e trabalho; como algo dinâmico e instável. Ao combaterem a concepção de cultura como condição, os estudiosos dos ec defendem a não-distinção entrealta” e “baixaculturas, pois a cultura deve ser concebida como traços de modos de vida, dinâmica de relacionamento do indivíduo com o real, com sua realidade, ou luta entre modos de vida diferentes. Tal noção se difere da concepção de cultura como patrimônio, monopólio de idéias prontas.

Em estudos de orientação marxista, os pesquisadores do cccs exploraram as funções políticas da cultura e se interessaram pelas manifestações da cultura de massa. Para discutir cultura popular, cultura de massa, indústria cultural e criação de uma cultura de resistência, os primeiros representantes dos ec recorreram a conceitos como hegemonia cultural (Gramsci) e indústria cultural (Escola de Frankfurt), que os influenciaram. Partem do princípio gramsciniano de que o capitalismo mantém o poder pela coerção política ou econômica e, sobretudo, pela coerção ideológica por meio de “aparelhos privados de hegemonia”.[1]

No fim da década de 1960, assumiu a direção do cccs o sociólogo jamaicano Stuart Hall,[2] divulgador dos ec como movimento acadêmico intelectual internacional que discute os conceitos de raça, etnia e os efeitos do colonialismo nas sociedades. Hall (1997) argumenta em favor da necessidade de se compreender a cultura como algo fundamental e constitutivo do mundo. A cultura — diz ele — tem assumido posição central na organização da sociedade; “[...] penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo” (hall, 1997, p. 22).

Nos anos seguintes, buscando entrecruzar diferentes tendências teóricas, os ec dialogam com teorias francesas e absorvem idéias de pensadores como Bourdieu, Certeau, Derrida e Foucault.

[...] passam do estudo das comunidades — articulados como classes ou subculturas — para o estudo dos grupos étnicos, de mulheres, raciais e tornam-se a voz do outro na academia, absorvendo assim um contingente expressivo de antropólogos, sem, entretanto, abrir mão da criação de cruzamentos intelectuais e institucionais que produzam o efeito político de expandir a sociedade civil. (hollanda, 1996).

As várias faces contemporâneas dos ec incluem discussões sobre pós-modernismo e pós-estruturalismo. Mas foram as teorias pós-colonialista e crítica — tratam de questões relativas às minorias e micropolíticas — que criaram condições para haver, no âmbito dos ec, “[...] o debate da identidade nacional, da representação, da etnicidade, da diferença e da subalternidade no centro da história da cultura mundial contemporânea” (prysthon, 2003, p. 138). Os ec nunca se vincularam a um campo disciplinar específico; antes, buscaram subsídios na antropologia, filosofia, história, sociologia e teoria literária. Os estudos atuais abordam as diferentes práticas culturais: preocupam-se em refletir sobre a mídia, sobre os modos como o público se apropria dela e sobre como imagens e discursos midiáticos funcionam no interior da cultura geral. Para os ec, a mídia ocupa posição dominante e ajuda a estabelecer e perpetuar a hegemonia de certos grupos e determinados projetos políticos.

No debate sobre escola e currículo, a discussão sobre a cultura entra num terreno fértil, porque complexo. À luz dos ec, a cultura e o conhecimento são entendidos como produto de relações sociais — hierárquicas e de poder; qualquer objeto cultural de análise pode ser tomado como artefato cultural e, assim, ser investigados pelos ec. Nesses termos, educação e escola passam a ser interpretadas como pontos de encontro de culturas, que muitas vezes provocam tensões, restrições e contrastes na construção do significado. A cultura passa a ser entendida como campo de luta: “[...] campo onde se define não apenas a forma que o mundo deve ter, mas também a forma que as pessoas e os grupos devem ter. A cultura é um jogo de poder” (silva, 1999, p. 134).

Ainda no âmbito escolar-curricular, os ec vão contribuir para haver ressignificação de termos como cultura, educação, identidade e discurso; e mais: ao proporem uma discussão sobre cultura, ampliam e estendem as noções de educação, pedagogia e currículo. Diversidade étnica e nacionalidade; discriminação; relações de poder entre culturas, nações, povos, etnias, raças, orientações sexuais e gêneros passaram a ser assuntos também da educação e do universo escolar. Para os ec, o currículo não pode mais ser encarado como algo neutro, distante das questões sociais e políticas, porque a educação não é neutra nem distante.



[1] Organismos relativamente autônomos em face do Estado em sentido estrito: associações, escola privada, Igreja, imprensa, partidos políticos, sindicatos, universidades e outros.

[2] Em 1979, Hall se transferiu para a Open University (Inglaterra), instituição de ensino superior onde adultos obtêm diplomas universitários resultante de educação a distância e seminários intensivos.

17 de maio de 2022

Cultura e Educação

 1  CULTURA E EDUCAÇÃO

 

 

 

Neste capítulo, exploro o conceito de cultura e seus vínculos com a educaçãotomada aqui como algo que se processa não na escola, mas também na comunidade e noutros espaços e contextos. Por muito tempo, no conceito de cultura imperou a idéia do determinismo geográfico: o ambiente físico condiciona a diversidade cultural. Atribuíam-se as diferenças comportamentais observadas entre os povos a diferenças geográficas: povos habitantes do hemisfério norte se comportam diferentemente de povos do hemisfério sul em razão de características regionais: um esquimó é capaz de distinguir tonalidades de branco que os habitantes de uma região das savanas africanas seriam incapazes de perceber.

Popularizadas por geógrafos, essas teorias começaram a ser refutadas nos anos de 1920. Antropólogos mostraram que havia limites à influência geográfica sobre fatores culturais. Roque de Barros Laraia afirma que “[...] é possível e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico” (2001, p. 21) e mostra que, mesmo vivendo em ambientes semelhantes no norte do planeta, sob um rigoroso inverno, esquimós e lapões têm comportamentos culturais diferentes: aqueles constroem casas de gelo (os iglus), estes constroem tendas com peles; quando querem se mudar, os primeiros abandonam o iglu, os últimos transportam sua moradia para o local a ser habitado.

Outra explicação para as diferenças culturais é a que relaciona capacidades específicas a certasraçasou certos grupos humanos. Fundado no determinismo biológico, tal entendimento atribui capacidades e habilidades próprias de alguns seres humanos à sua origem genética. Nessa ótica, acredita-se que os brasileiros herdaram a preguiça dos índios e a esperteza dos negros. Pensamentos assim se traduzem em atitudes discriminatórias contra certos grupos por causa de características étnicas. Pode-se pensar aqui no aumento da xenofobia e na exclusão social em algumas sociedades por causa das migrações internacionais, que geraram o surgimento de minorias.

A antropologia atual explica as diferenças culturais com base no conceito de endoculturação: processo de socialização e aprendizagem da cultura ao longo da vida. Nesses termos, qualquer pessoa pode adquirir hábitos culturais próprios do grupo social a que pertence; por exemplo, uma pessoa nascida no Brasil mas criada na Inglaterra assimilará hábitos, linguagem, crenças e valores dos ingleses. Dito de outro modo, as pessoas se comportam diferentemente não por causa de transmissão genética ou do espaço geográfico onde vivem, mas sim por terem tido diferentes condições de educação. Assim, educação e cultura explicam, em grande parte, as diferenças comportamentais entre os humanos. Pela educação, os indivíduos assimilam diferentes elementos da cultura e passam a agir segundo esta.

Como esclarece Laraia (2001), vem de Edward Burnett Tylor (1832–1917) a primeira definição de cultura que se aproxima do conceito empregado hoje: cultura é “[...] todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (tylor, 1871 apud laraia, 2001, p. 25). Tylor enfatiza a idéia de aprendizado na sua definição de cultura, mostrando-a como todo comportamento aprendido, adquirido; tudo que independe da transmissão hereditária.

10 de maio de 2022

Vídeo Poesia


Água - poesia de Elisa Carvalho Imagens e edição - Elisa Carvalho Águas Líquido choro Sumo, suco, seiva Cristalina Borbulhante champanhe Melodia da natureza Canta brincadeira Corredeira Escorrega macia mansa Entre as pedras Procura Sempre, indefinidamente O caminho

 

9 de maio de 2022

A ARTE da Gravura no Brasil

 

Durante o século XX, na Europa, a gravura é uma arte feita por pintores, quase sempre relegada a um segundo plano (apesar de estampas de excelente qualidade). No Brasil é diferente. A gravura é feita por gravadores. Temos pintores que gravam, mas a maior parte de nossa produção é feita por artistas que se dedicam exclusivamente à gravura. Para a gravura os mais importantes artistas são Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo e não Di Cavalcanti, Tarsila ou Portinari.

 

O Brasil não vive a decadência da gravura causada pela fotografia que aconteceu na Europa no fim do século XIX. No Brasil, a gravura artística chega depois da fotografia. Ela chega liberta de qualquer caráter reprodutivo e de cópia. Ignoramos a rigidez do buril e passamos direto para as nuances da água forte e para a matriz xilográfica. A nossa raiz é europeia por conta dos artistas que aqui chegam: Carlos Oswald, Oswaldo Goeldi e Lasar Segall com uma produção gráfica forte e independente da pintura.

A tradição brasileira do gravar passa pela educação. O ensino da gravura é extremamente pessoal, feito no ateliê, no estúdio e em cursos livres de museus onde os artistas estrangeiros de alto perfeccionismo técnico ensinavam e formavam novos artistas e novos professores em um movimento contínuo de saberes.

 

A gravura no Brasil

A imprensa, a impressão e a gravação de imagens eram proibidas no Brasil colônia até a vinda de Dom João VI e a família real em 1808 e a fundação da Imprensa Régia. As poucas tentativas realizadas foram duramente punidas. Durante a Missão Francesa a vinda do gravador Simon Pradier não produz frutos e ele parte após dois anos sem deixar discípulos.

A produção gráfica artística no século XIX é incipiente. Não há, portanto, uma produção significativa de gravura no Brasil até o início do século XX. A gravura artística conceituada como obra independente e não de reprodução surge por volta de 1913 com a chegada do italiano Carlos Oswald, mas irá se firmar somente por volta da década de 30.

É interessante notar, como dizem Cláudio Mubarac e Evandro Carlos Jardim no catálogo da exposição “Gravadores Brasileiros Contemporâneos”, que este desenvolvimento se dá como um fenômeno pós-fotográfico e após todos os modernismos fundadores do século já terem sido destilados e inoculados na história geral da arte (referindo-se à Europa e suas vanguardas).





Carlos Oswald 

A origem da gravura no Brasil se dá, portanto, em um meio vazio de tradições iconográficas e de práticas gráficas que se reflete, na produção atual, em uma visão indagativa, intuitiva, por vezes, ingênua e que ainda tem como exemplo a importante obra de seus pioneiros históricos: Lasar Segall e Oswaldo Goeldi, artistas estrangeiros de vertente expressionista, e Carlos Oswald e Lívio Abramo, cujas atividades educacionais ajudaram a fundar as bases de uma gravura brasileira.

 

Carlos Oswald situa a gravura como a verdadeira arte do século porque é uma arte democrática, pelo seu poder de síntese, por seu impacto junto ao público que se surpreende com as suas técnicas como água forte, maneira negra, pelo processo criativo que permanece na imagem final e por este léxico que é como uma alquimia que também seduz os artistas. Para ele “a gravura é a mais espiritual das artes porque se baseia em elementos abstratos, o ponto e a linha cuja imaterialidade também exprime as intensidades e qualidades dos estados de alma artísticos.”

Lasar Segall chega no Brasil como um artista completo, com sua poética formada na Alemanha. Ele utiliza a economia de meios da gravura para acentuar o drama da existência humana em um mundo hostil e turbulento criando imagens fortes e pulsantes.

Oswaldo Goeldi não se deixa contagiar pela cor e “alegria” dos trópicos. Sua obra é permeada pela solidão, pelo abandono, pela decadência urbana. Os personagens e a paisagem se fundem e a cor aparece enquanto forma gravada e não de forma decorativa ou ilustrativa. É interessante notar que estas imagens sombrias eram contemporâneas das pinturas antropofágicas de Tarsila do Amaral com sua sofisticada versão caipira do modernismo de Léger.



Oswaldo Goeldi

 

Lívio Abramo captura estas influências e de forma altamente pessoal as traduz em xilogravuras que passeiam pelas formas de Tarsila, pelo expressionismo alemão e que, ao transcender estas influências e unir abstração e figuração, cria paisagens de sofisticadas geometrias e ritmos de natureza construtiva.

Os modernistas Anita Malfatti e Di Cavalcanti também tinham uma obra gráfica, mas a gravura não participa das exposições da Semana de 22. Anita, no entanto, mostra algumas gravuras em sua polêmica exposição de 1917. É possível que desde então os artistas gravadores (excetuando-se Segall) já formavam um grupo à parte já que não participaram da Semana, nem dos bailes da SPAM.

Nos anos 30 e 40 a produção destes pioneiros divulgada em exposições e cursos irá influenciar toda uma gama de jovens artistas como Renina Katz, Fayga Ostrower e Anna Letycia.

 



Renina Katz.

 

A gravura sempre esteve ligada com a palavra escrita e com a ilustração. Os primeiros livros ou incunábulos eram gravuras. Muitos artistas ilustram livros, jornais e revistas com gravuras. A literatura de cordel casa imagem e texto de forma exemplar. Goeldi ilustra “Cobra Norato” de Raul Bopp, Lívio Abramo ilustra “Pelos Sertões” de Afonso Arinos, Poty ilustra Jorge Amado, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha e Machado de Assis e Leskoschek ilustra Dostoievski.

Na gravura e na literatura há um posicionamento político baseado na idéia de reprodução da imagem e do texto, da difusão do conhecimento, da educação, da arte como algo que faz parte do cotidiano, da arte que fala sobre o homem e sobre a realidade do país (especialmente quando se pensa em um país pouco letrado e com grande percentual de analfabetos como o Brasil).



Carlos Scliar

 

Nos anos 50 a gravura se faz política, uma “arte da luta”. Vemos o surgimento dos “Clubes de Gravura” do Rio Grande do Sul (influenciados pelos Talleres de Grabado Mexicanos). Reunindo artistas como Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Vasco Prado e Glênio Bianchetti entre outros. Nestas grandes tiragens em linóleo faz-se uma crítica ao capitalismo e valoriza-se o trabalhador rural e suas raízes gaúchas.

 

Renina Katz faz suas xilogravuras de retirantes, operários e favelados (expostas em Veneza). Um realismo socialista que se utiliza dos pretos e brancos, da contundência da xilogravura para reforçar a dramaticidade das imagens. O artista se vê em um papel de provocador, humanista, de ultrapassar os limites do meio artístico e com envolvimento em questões sociais.

 

Por outro lado, nos anos 50, a gravura também adere às correntes abstracionistas. Repete-se na história da gravura o embate que se dá na história da pintura no Brasil nesta época. A influência das Bienais e do abstracionismo se refletem nas obras de Fayga Ostrower, Edith Behring e Ivan Serpa que tem aulas com Friedlander no ateliê de gravura do MAM-RJ. Um grande número de artistas se forma nesta instituição: Rossini Perez, Roberto De Lamônica e Anna Letycia entre outros.

Nos anos 60 e 70 a gravura parte para experimentações. A serigrafia e a litografia começam a ser mais utilizadas e vistas como técnicas de reprodução de imagens. Artistas como Dionísio Del Santo, Cláudio Tozzi e Regina Silveira se utilizam destas técnicas para criar.

 

Meios de reprodução foto-mecânica como o xerox e o off-set são usados por artistas abertos às experimentações de linguagem. Por outro lado, nesta época de repressão militar e de censura os ateliês de gravura são vistos como portos seguros onde se pode discutir política e traduzi-la em formas visuais de fácil divulgação (por conta dos novos meios de reprodutibilidade) e de grande impacto visual.

No entanto, estes mesmos meios são usados de forma negativa nos anos 70 e 80. A reprodução indiscriminada de litografias e serigrafias cria um excesso de imagens sem qualidade visando atingir um público novo, sem formação de arte e que acaba por desvalorizar a técnica e a imagem da gravura como obra de arte com reflexos até os dias de hoje.

 



Obra de Regina Silveira

 

Nos anos 80, na FAAP e na ECA-USP, os artistas Evandro Carlos Jardim e Regina Silveira em São Paulo e Anna Bella Geiger no Rio de Janeiro são responsáveis pela formação de um grande número de artistas (Laurita Salles, Cláudio Mubarac, Marco Buti, Luise Weiss, Solange Oliveira e outros) que vão se utilizar das linguagens gráficas na sua produção poética transcendendo as técnicas mais tradicionais, redefinindo parâmetros e o lugar da gravura nas artes.

 




Evandro Carlos Jardim

 

Ao fazer a curadoria das X e XI Mostras de Gravura de Curitiba (1992 e 1995) Paulo Herkenhoff parte de questões inerentes à gravura vistas sob uma ótica contemporânea e conceitual da reprodução da imagem, da idéia de gravação, de incisão, da existência ou não de uma matriz, da multiplicação da imagem, da transferência de matéria e do uso de matrizes não tradicionais.

A gravura hoje se coloca como um meio de representar uma ideia em constante diálogo com outras linguagens se libertando da ditadura da técnica para renascer como conceito.

 

O ensino da gravura

Ao pensar no processo de estudo da gravura no Brasil percebe-se uma característica interessante que o diferencia do ensino das artes plásticas em geral. O aprendizado da gravura se dá em ateliês coletivos como o Clube de Gravura de Porto Alegre (1950), Atelier Coletivo de Recife (1952), ateliê de gravura do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1959), o Estúdio Gravura de Lívio Abramo, Maria Bonomi e João Luís Chaves (1961) e os ainda ativos ateliês do Museu Lasar Segall e do SESC Pompéia em São Paulo, em escolas como o Liceu de Artes e Ofícios e a Oficina de Artes do Ingá ou em cursos de museus como o Museu Nacional de Belas Artes e o ateliê Francesc Domingo do Museu de Arte Contemporânea da USP (1987).

As próprias características da técnica que pedem prensas grandes e pesadas, bacias de ácido, caixas de breu e outros equipamentos caros e volumosos levam os artistas a se reunirem em espaços coletivos onde é possível dividir estes materiais e custos.

 

É interessante notar que os artistas que estudam gravura não passam por uma academia oficial, o aprendizado se faz de maneira informal, de mestre para aprendiz, sem intermediação, no fazer, na prática. Mesmo nos dias de hoje quando quase todos os artistas cursam faculdade este processo ainda é verdadeiro.

Gravar pressupõe um conhecimento profundo da técnica. “Não existem gravadores de fim de semana” dizia Fayga Ostrower. “A gravura envolve um processo artesanal, um processo lento que envolve várias etapas e que é necessário dominar”.

 

A tradição e a força da gravura brasileira se formam nesta cadeia de ensino, no conhecimento que vem da prática e da discussão constante entre as partes. Uma tradição alimentada pelas diferentes gerações e que ainda hoje é mantida viva pelos jovens artistas.


 

Gaston Bachelard diz em “O Direito de Sonhar”: “O gravador põe o mundo em andamento, suscita forças que inflam as forças, provoca forças adormecidas num universo plano”.

 

Questões da gravura

Seria válido usar a noção de centro e periferia de Ginszbrug e Castelnuovo para definir as relações entre a gravura e a pintura? A gravura estaria na periferia da história da arte enquanto a pintura ocupa o centro e as atenções do mercado e dos historiadores? Sim, mas ironicamente as inúmeras participações e premiações nas Bienais Internacionais de São Paulo reforçam a forte presença da gravura no Brasil e com certeza criaram um ambiente propício às discussões e inquietações relacionadas à linguagem gráfica.

Por outro lado, em depoimento a Roberto Pontual citado em texto de Marcos de Lontra Costa no catálogo da mostra “Poética da Resistência” da coleção de Gilberto Chateubriand de 1994, Renina Katz diz “Os anos 40 não levam muito em conta as artes gráficas. A pintura e a escultura prevaleciam como representantes da grande arte. A gravura não tinha prestígio suficiente. Artistas de peso como Goeldi, Lívio Abramo e Carlos Oswald não sensibilizavam o público e os colecionadores”.

 

Hoje, as gravuras de Goeldi e Abramo estão entre as mais valorizadas do mercado de arte e Goeldi é considerado um dos grandes artistas brasileiros. De periferia ao centro, os critérios e as influências se relativizam e são revistos com o tempo. A nossa produção de gravura é original e traçou um caminho próprio que mantém a sua força.

Svetlana Alpers contrapõe uma história da pintura holandesa à história oficial da pintura que seria a história da pintura italiana. Sugere um novo modo de ver a arte e de escrever a sua história, inserindo outras visões e pontos de vista. Poderíamos nós fazer o mesmo com a história da gravura no Brasil? É possível traçar uma história paralela ou uma história da arte brasileira através da gráfica? A nossa gravura se desenvolve simultaneamente à pintura; o modernismo, a abstração, o conceitual, a arte pública, a instalação, a arte conceitual – seria interessante investigar se o que acontece na história oficial da arte brasileira também aconteceu na história da gravura. Uma possível micro-história da gravura?

 

Em Goeldi, por exemplo, não há uma busca intensa pela questão do nacional como no modernismo. Há um projeto pessoal e independente.

Será que os artistas que faziam gravura não estavam tão ligados a estas questões? Ou seria a própria técnica, que pressupõe um artesanato, um fazer, um contato com a matéria um fator de identificação com o nacional?

Samico e Newton Cavalcanti, por exemplo, se utilizam da tradição nordestina do cordel, da religiosidade e da fábula incorporando a cultura popular sem grandes alardes, sem bandeiras, mas com sofisticação e modernidade.

 

A produção de gravura no Brasil é enorme e variada. Da xilogravura de J, Borges às plotagens de grandes dimensões de Regina Silveira a gravura incorporou os meios de reprodução modernos, mas manteve também todos os seus procedimentos tradicionais.

Como diz Marco Buti:

“Todas as técnicas são contemporâneas”.

 

E acrescenta ainda Bernadette Panek:

“A técnica e a linguagem precisam acompanhar os tempos, as transformações, as necessidades, os questionamentos contemporâneos.  Uma obra é aceita pelo seu valor artístico e não por sua técnica. Caso contrário torna-se maneirismo e não arte.”

E ainda segundo Debora Wye (curadora do departamento de gravuras e livros ilustrados do MOMA de Nova Iorque):

“…as fronteiras tradicionais da arte impressa não são mais tão claras quanto costumavam ser. Na imaginação popular, a quintessência da gravura pode ser uma delicada água-forte em preto e branco, porém essa gravura ideal não existe. Os artistas estão continuamente redefinindo parâmetros.”

O embate com a matéria, a resistência do material, a violência e a delicadeza que a técnica permite e o processo de criação, a obra que se constrói enquanto se faz asseguram a permanência da gravura.

Muitos artistas se utilizam de procedimentos da gravura como a gravação em si, incisão, impressão, multiplicidade e/ou transferência de imagens. A gravura hoje é tridimensional e pública. Ela é cartaz, lambe-lambe, fanzine, ilustração e sticker.






 

https://arteref.com/gravura/o-papel-da-gravura-no-brasil/

Setembro 14, 2021

Por Eduardo Besen

 

 

 

8 de maio de 2022

Video poesia

Nuvens - poesia de Elisa Carvalho 
 Verde terra 
Quero ficar no teu corpo 
Azul céu
Quero sonhar com você 
Onde andam meus desejos 
Flocos de algodão 
Horizonte firme 
Seus preciosos carinhos 
Entre o céu e a terra 
Perco-me 
Encontro-me 
É hora de voar. 

 Edição de vídeo - Elisa Carvalho

3 de maio de 2022

Gravura e atualidade

Gravura em linóleo
trabalhando no digital e no linóleo
gravura com aguada...