1.1 Estudos culturais: percurso histórico
O debate
sobre cultura
ganha fôlego
na segunda metade
dos anos de 1950, quando o crítico literário
e professor britânico
Raymond Frank Leavis (1895–1978)
propôs usar o sistema educacional
para distribuir mais o conhecimento
da “alta cultura”.
Contra essa concepção
elitista de cultura,
insurgiram dois estudiosos
provenientes da classe trabalhadora inglesa —
Richard Hoggart e Raymond Williams — que
questionaram as idéias de Leavis e
combateram a concepção de cultura como “espírito cultivado”, forma superior de arte, ciência e literatura.
A discussão
se consolidaria nos anos
de 1960, graças,
sobretudo, ao trabalho de
um pequeno
grupo de intelectuais
reunidos na Universidade de Birmingham,
Inglaterra. Ali, eles
criaram, em 1964, o Centre for Contemporary Cultural Studies/cccs (Centro de Estudos
Culturais Contemporâneos) — origem dos estudos
culturais (ec),
que provocariam uma reviravolta
nas investigações sobre
a cultura. Nos
ec, a cultura é entendida
como modo
de viver e entender o mundo; como criação e trabalho; como algo dinâmico e instável.
Ao combaterem a concepção de cultura como condição, os estudiosos
dos ec
defendem a não-distinção entre “alta” e “baixa”
culturas, pois
a cultura deve ser
concebida como traços
de modos de vida,
dinâmica de relacionamento do indivíduo com o
real, com
sua realidade,
ou luta
entre modos
de vida diferentes.
Tal noção
se difere da concepção de cultura como patrimônio, monopólio
de idéias já
prontas.
Em estudos de orientação
marxista, os pesquisadores do cccs exploraram as funções políticas da cultura e se interessaram
pelas manifestações da cultura de massa. Para discutir cultura popular, cultura
de massa, indústria cultural e criação de uma cultura de resistência, os
primeiros representantes dos ec recorreram a conceitos como hegemonia cultural (Gramsci) e
indústria cultural (Escola de Frankfurt), que os influenciaram. Partem do
princípio gramsciniano de que o capitalismo mantém o poder pela coerção
política ou econômica e, sobretudo, pela coerção ideológica por meio de
“aparelhos privados de hegemonia”.[1]
No fim
da década de 1960, assumiu a direção do cccs o
sociólogo jamaicano Stuart Hall,[2]
divulgador dos ec como
movimento acadêmico
intelectual internacional
que discute os conceitos
de raça, etnia
e os efeitos do colonialismo
nas sociedades. Hall
(1997) argumenta
em favor da necessidade de se compreender
a cultura como
algo fundamental
e constitutivo do mundo. A cultura — diz ele
— tem assumido posição central na organização
da sociedade; “[...] penetra
em cada
recanto da vida
social contemporânea,
fazendo proliferar ambientes
secundários, mediando tudo” (hall, 1997, p. 22).
Nos anos seguintes,
buscando entrecruzar diferentes tendências teóricas, os ec dialogam com teorias francesas e
absorvem idéias de pensadores como Bourdieu, Certeau, Derrida e Foucault.
[...] passam do estudo das comunidades — articulados como
classes ou
subculturas — para o estudo
dos grupos étnicos,
de mulheres, raciais
e tornam-se a voz do outro na academia,
absorvendo assim um
contingente expressivo
de antropólogos, sem,
entretanto, abrir
mão da criação
de cruzamentos intelectuais
e institucionais que produzam o efeito político
de expandir a sociedade civil. (hollanda, 1996).
As várias faces contemporâneas dos ec incluem discussões
sobre pós-modernismo e
pós-estruturalismo. Mas foram as teorias pós-colonialista e crítica
— tratam de questões relativas às minorias e micropolíticas — que
criaram condições para
haver, no âmbito
dos ec, “[...]
o debate da identidade
nacional, da representação,
da etnicidade, da diferença e da
subalternidade no centro da história da cultura
mundial contemporânea” (prysthon, 2003, p.
138). Os ec nunca se vincularam a um
campo disciplinar
específico; antes,
buscaram subsídios na antropologia, filosofia,
história, sociologia
e teoria literária.
Os estudos atuais
abordam as diferentes práticas culturais: preocupam-se em
refletir sobre
a mídia, sobre
os modos como
o público se apropria dela e sobre como imagens e discursos
midiáticos funcionam no interior da cultura geral. Para os ec, a mídia ocupa posição dominante
e ajuda a estabelecer
e perpetuar a hegemonia
de certos grupos
e determinados projetos
políticos.
No debate
sobre escola
e currículo, a discussão
sobre a cultura
entra num terreno fértil,
porque complexo.
À luz dos ec, a cultura
e o conhecimento são
entendidos como
produto de relações
sociais — hierárquicas e de poder; qualquer objeto cultural de análise
pode ser tomado como
artefato cultural e, assim, ser investigados pelos ec. Nesses termos, educação e escola
passam a ser interpretadas como
pontos de encontro
de culturas, que
muitas vezes provocam tensões, restrições
e contrastes na construção
do significado. A cultura
passa a ser entendida como campo de luta:
“[...] campo onde
se define não apenas
a forma que o
mundo deve ter,
mas também
a forma que
as pessoas e os grupos
devem ter. A cultura
é um jogo
de poder” (silva, 1999, p. 134).
Ainda no âmbito
escolar-curricular, os ec vão contribuir
para haver
ressignificação de termos como cultura, educação, identidade
e discurso; e mais:
ao proporem uma discussão sobre
cultura, ampliam e estendem as noções de educação,
pedagogia e currículo.
Diversidade étnica
e nacionalidade; discriminação;
relações de poder
entre culturas,
nações, povos,
etnias, raças,
orientações sexuais
e gêneros passaram a ser
assuntos também
da educação e do universo
escolar. Para
os ec, o currículo não
pode mais ser
encarado como algo
neutro, distante
das questões sociais
e políticas, porque
a educação não
é neutra nem
distante.
Organismos
relativamente autônomos
em face
do Estado em
sentido estrito:
associações, escola
privada, Igreja,
imprensa, partidos
políticos, sindicatos,
universidades e outros.
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