21 de novembro de 2022

continuação...

 

Na entrevista com Raquel, perguntei-lhe como explicaria a Proposta Triangular a um leigo em educação e arte. Ela respondeu em meio a risos, como se fosse óbvio:

Eu desenharia um triângulo. Iria mostrar à pessoa o que seria um processo de contextualização, o que é o fazer artístico, o que é você poder conceituar a obra [e ir] apreciando. Eu começaria pela apreciação da obra, para depois contar a ela a história da obra.

Depois, explicitou melhor sua concepção sobre a Proposta Triangular:

É como um caminho possível para você aprender arte, para você tomar conhecimento das teorias artísticas. É um caminho possível. Eu falaria assim: para aprender arte, você transita assim... num triângulo você pode começar de qualquer ponta. Depende do contexto, do momento que a turma esteja vivendo.

Para ilustrar sua fala, ela apresentou seu portfolio de trabalhos feitos na Escola Criativa de Uberaba, onde se vêem versos em meio a fotografias, textos e sua preocupação em trabalhar com obras de artistas brasileiros. Pergunto o porquê da escolha e se é uma orientação da Proposta Triangular. Eis a resposta:

A Proposta Triangular, que eu tenha lido até hoje, não me falou nada [sobre isso]. Mas eu sei de adeptos da proposta [...] que falam da necessidade de [...] trazer a questão da cultura. [...] Quanto mais você fornece elementos para mostrar quem ele é, que faz parte de tudo isso, mais ele tem condição de ver [...] mais profundamente até os elementos de outras culturas.

Desde o início da proposta, Barbosa manifesta preocupação e compromisso com o conhecimento sobre a cultura local — referencial vindo das Escuelas ao Aire Libre. A fala de Barbosa deixa entrever, também, uma defesa da diversidade cultural:

As culturas de classes sociais economicamente desfavorecidas continuam a ser ignoradas pelas instituições educacionais, mesmo pelos que estão envolvidos na educação dessas classes. Nós aprendemos com Paulo Freire a rejeitar a segregação cultural na Educação. As décadas de luta para que os oprimidos possam se libertar da ignorância sobre eles próprios nos ensinaram que uma educação libertária terá sucesso quando os participantes no processo educacional forem capazes de identificar seu ego cultural e se orgulharem dele. (barbosa, 2002a, p. 19–20).

Com o compromisso de “mostrar a cultura do nosso país”, Raquel elabora um projeto de nomeMeu Brasil brasileiro” (anexo c), desenvolvido com turmas de quinta a oitava séries do ensino fundamental, durante um trimestre. O projeto se embasou na Proposta Triangular. No desenvolvimento desse projeto, Raquel elegeu um artista para cada série: na quinta, Tarsila do Amaral; na sexta, Aleijadinho; na sétima, Tomie Otake; na oitava, Cândido Portinari. Nota-se em seu planejamento a divisão em etapas: cada uma tem uma “atividade” e uma proposta de “alfabetização visual”. A contextualização referente à obra e vida do artista aparece na sua fala e em pequenos textos escritos por ela e entregues aos alunos.

No trabalho sobre Portinari, Raquel desenvolve várias atividades baseadas na obra Café. A princípio, explora a produção gráfica pelos desenhos com a temática da obra; depois, a produção tridimensional (modelagem na argila), com a confecção de personagens da obra. Assim, ela conduz o que chama de releitura da obra, mas frisa que não se detém na mesma linguagem do artista.


figura 12. Reprodução de página do portfolio de Raquel

Fonte: acervo de Luciano Carvalho



 

                    figura 13. Reprodução de página do portfolio de Raquel

Fonte: acervo de Raquel



figura 14. Reprodução de página do portfolio de Raquel

Fonte: acervo de Raquel

Ainda na conversa sobre a Proposta Triangular, Raquel mostra como a sistematizou para que a coordenação da escola e mesmo colegas professores/as acompanhassem o desenvolvimento do trabalho. Ela, então, mostra-me outro projeto seu: “Levante sua bandeira” (anexo d), em que usa a terminologia contextualização, apreciação e experimentação. Ela justifica o uso da proposta:

[...] não consigo fazer de outra maneira... Quando eu vejo, já estou planejando. Parece que sinto segurança. [...] Eu montei o planejamento da pré-escola, no ano passado, e a coordenação exclamou: “Nossa! Ficou tão fácil de entender assim!”.

Diz em seguida, porém, que já modificou a formatação:

Se você põe em linha, vai seguindo os tópicos. [Então passei para] um formato que se veja qual vai ser o seu movimento, [...] circular como eu gosto [...] para mim, eu posso colocar no formato que eu quiser, sistema em rede, que vai se abrindo, assim como no computador.






O triângulo tem uma forma espacial que conduz a movimentos; por não ter diagonais, induz a percursos obrigatórios — as laterais. Contudo, Barbosa manifestou vontade de desmontar a idéia do triângulo em sua proposta, a qual pressupõe que o movimento de ensino da arte percorra três eixos. “Acho que esta abordagem tem que estar mais parecida com um zig-zag.” (barbosa, 2004a, s. p.). Ainda assim, a fala de Raquel e Clésia sugere um compromisso com a história e a cultura na ação docente delas; na ênfase dessa inter-relação entre fazer, ler e contextualizar histórica, social, antropológica ou esteticamente a obra de arte, a Proposta Triangular se concretiza. 


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