26 de setembro de 2022

3.3.3 Concepções e práticas dos estudantes-professores/as sobre a Proposta Triangular - Clesia

 

3.3.3  Concepções e práticas dos estudantes-professores/as sobre a Proposta Triangular

 

Que concepções prévias de propostas de ensino podem ter estudantes de licenciatura já atuante como professores? No caso desta pesquisa, quais são as concepções prévias que os/as estudantes-professores/as entrevistados têm da Proposta Triangular para o ensino de arte? Ouviram falar da proposta antes de ingressarem na faculdade? Dentre os/as estudantes-professores/as entrevistados nesta pesquisa, duas afirmaram ter ouvido falar: Raquel e Clésia

Raquel, cuja prática se apoiava constantemente em manifestações artísticas, conheceu a Proposta Triangular (então Metodologia Triangular) por intermédio de sua coordenadora:

Ela [a coordenadora] me falou a primeira vez em Ana Mae Barbosa. Quando viu meu trabalho, trazia [textos de] Ana Mae e, às vezes, me explicava as coisas que eu estava fazendo. A proposta, por exemplo: se eu estava explorando uma imagem com as crianças, a partir da obra de arte, então ela falava na proposta de Ana Mae; que ela usava o termo Metodologia Triangular.

Clésia conheceu o termo Proposta Triangular num dos cursos que fez no cefor.[1] Mas comenta: “não pus tanta ênfase no negócio, não!”. na faculdade ela iria se aprofundar na metodologia de ensino de arte e saber um pouco mais sobre essa proposta.

Embora tenha feito o curso técnico de Educação Artística no Conservatório Estadual de Música Renato Frateschi, em Uberaba, Tininha disse que não ouviu falar: “ouvi mesmo na faculdade. [...] No conservatório, se foi falado, foi de uma outra forma, não exatamente assim. Mas eu acho que está meio englobado. A gente vai trabalhando e vai modificando as palavras”.

Também Mizac não ouviu falar da Proposta Triangular antes de cursar a licenciatura em Educação Artística/Artes Visuais. Ele, de fato, freqüentou outros cursos, mas nenhum era relativo à Educação.[2] Foi nessa licenciatura que tomou contato: “A proposta, eu vim a ter contato com ela na faculdade. Me familiarizei com o termo na faculdade”.

Clésia sintetizou sua concepção de Proposta Triangular assim: “[...] é o fazer arte, o pensar e o sentir”. Ela continua sua explicação enfatizando a contextualização:

A gente tem um contexto [para embasar] alguma obra, contextualizando o que ela é, quando que ela surgiu, o que é que ela tenta passar para a gente, o conteúdo; e diante deste contexto a gente tenta levar para o nosso cotidiano, para o dia-a-dia, para o nosso contexto e [direcionar] até a releitura.

Clésia mostrou uma pasta com registro de trabalho cujo desenvolvimento fez uso da proposta. A pasta contém o projeto, fotos e relatórios sobre o desenvolvimento do trabalho. Educação não formal, o projeto se chama “Modelarte: modelagem em argila” (anexo e) e se desenvolveu na Associação de Bairro Grupo Amigos da Água, com sede em Uberaba, no bairro Valim de Melo. Integrou o programa de estágio do curso de licenciatura em Educação Artística/Artes Visuais do cesube, com duração de 40 horas, e foi realizado às quintas-feiras e aos sábados. O público-alvo eram pré-adolescentes e adolescentes matriculados nas séries entre quinta e oitava. As aulas de modelagem ocorreram no galpão da associação.

 

 

figura 3. Galpão da Associação de Bairro Grupo Amigos da Água

Fonte: Acervo de Clésia.

 

 

 

 

 

 

 

figura 4. Alunos de Clésia nas atividades de modelagem

Fonte: Acervo de Clésia.

Clésia prefere argila como recurso para suas aulas por ser um material de baixo custo e fácil de conseguir. Dentre seus objetivos, está reconhecer a importância da argila na vida das pessoas, pois é empregada “[...] desde a Antigüidade e atualmente como material de grande utilidade sob a forma de peças utilitárias ou decorativas”. Outro objetivo é buscar informações sobre arte entre artistas e em documentos, acervos no espaço escolar e fora dele (cartazes, discos, ilustrações, jornais, livros, revistas e vídeos) e acervos públicos (bibliotecas, cinematecas, centros de cultura, fonotecas, galerias, museus e videotecas) para organizá-las e, assim, reconhecer e compreender produtos artísticos e concepções estéticas história das diferentes culturas e etnias.

O projeto deixa entrever a preocupação de Clésia com a leitura e o contato com obras e objetos artísticos. Seus objetivos são: “[...] apreciar, desfrutar e julgar os bens artísticos de distintos povos e culturas produzidas ao longo da história e na contemporaneidade”. O projeto menciona, ainda, o trabalho com a auto-estima e o desenvolvimento de habilidades “adormecidas”; para tanto, estabelece como meta a reconstrução da identidade pessoal e social dos alunos envolvidos. Vale notar, na fala de Clésia a propósito do projeto, uma concepção de arte ainda romântica — “despertar a arte” — e a identificação desta como artefato social.

Na metodologia descrita, Clésia inicia sua aula com uma “roda de conversa” (aula expositiva dialogada), na qual apresenta aos alunos imagens (figs. 5, 6, 7) que poderão ser referência para o trabalho que ela lhes propõe realizar.

 

 

figura 5. Cerâmicas de Mestre Vitalino

Fonte: Acervo de Clésia.

 

figura 6. Vitalino Santos, o Mestre Vitalino

Fonte: Acervo de Clésia.

 

 

 

figura 7. Arte asteca

Fonte: Acervo de Clésia.

 

                  figura 8. Cerâmica do uberabense Hélio Siqueira

Fonte: Acervo de Clésia.

 

Nessa metodologia, Clésia procura introduzir algum conceito (expressão, relevo, volume, textura, dentre outros) e contextualizar as imagens no tempo histórico em que foram produzidas. Num relatório sobre o desenvolvimento do projeto contidos em sua pasta, ela diz que, ao perceber a semelhança do trabalho de um aluno com a expressão da arte egípcia, trouxe para a sala de aula imagens referentes a essa produção artística. Assim, Clésia apresenta aos alunos reproduções de um número variado de estilos e expressões tridimensionais: arte pré-colombiana, arte egípcia e a cerâmica brasileira de Mestre Vitalino. Ela usa imagens de artistas consagrados como Rodin e de outros menos conhecidos como Cláudio Aun (que ela achou numa revista de empresa aérea). A maioria das imagens são reproduções em papel, recortes de revistas ou xerocópias coloridas de livros ou enciclopédias organizadas numa pasta, que ela apresenta aos alunos e deixa à disposição deles para que a manipulem quando quiserem.

 

                  figura 9. Aluna de Clésia exibe peça modelada por ela.

Fonte: Acervo de Clésia.

 

Clésia se preocupa com mostrar a produção de Uberaba, reunindo reproduções de obras desses artistas (fig. 10). Ela promoveu, ainda, uma visita à Casa do Artesão, onde Cláudio Destro expunha seus trabalhos modelados em argila. Para ela, o contato com obras originais é importante, sobretudo quanto às tridimensionais, pois a fotografia capta um ângulo de visão da obra.

 

figura 10. Alunos de Clésia em visita à Casa do Artesão

Fonte: Acervo de Clésia.

 

O projeto finaliza com a exposição dos trabalhos produzidos pelos alunos no cemea, onde Clésia trabalha como educadora. Ela faz questão de que a família dos alunos vá à exposição.

 

 

figura 11. Exposição de peças modeladas por alunos de Clésia.

Fonte: Acervo de Clésia.

Na prática educativa de Clésia, a Proposta Triangular se expressa no projeto pelas palavras: “[...] levando imagens feitas em diferentes épocas, estilos e culturas, relacionando as atividades propostas, fazendo o triângulo de Ana Mae Barbosa, situando-os no tempo, diversificando as vivências do grupo e desafiando-os para a produção no barro”. Também se expressa nas ações direcionadas aos alunos: leitura de imagem, fazer artístico e contextualização. A prática como prioridade é comum nas atividades de ateliê[3] na educação não formal desenvolvidas pela maioria das pessoas. Clésia, também, enfatiza a prática; mas, diferentemente, preocupa-se em trazer informações sobre a arte e a produção cultural de diferentes povos. Ela argumenta que desenvolveu o projeto “[...] a partir da Proposta Triangular, dando ênfase à modelagem em argila [e procurando] desenvolver um olhar diferente sobre a modelagem”. Afirma ela: “[...] a cada encontro, conversávamos sobre o trabalho tridimensional de artistas, levando reproduções para eles apreciarem”. Assim, Clésia acredita que está “[...] ampliando o conhecimento de mundo [de seus alunos]” e que, quanto mais amplo forem os conhecimentos, maior será a capacidade de percepção e interpretação do mundo contemporâneo.



[1] Curso ministrado por mim, entre 1997 e 2000.

[2] Fez cursos de História da Arte na Fundação Cultural de Uberaba.

[3] Aqui, refiro-me a escolinhas de arte espalhadas no Brasil, que na origem priorizavam a livre expressão.

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