3.3
Construção da cena
Feitas essas observações
preliminares sobre os sujeitos da pesquisa, passo ao procedimento de análise
das entrevistas, que, de início, pareceu-me semelhante a montar um mosaico.[1]
Como organizar os dados das entrevistas, peças do meu mosaico? Que dados
analisar primeiro? Quais ficariam para depois?
A primeira tentativa foi
descrever o diálogo com cada entrevistado/a, mas logo percebi que, se assim
procedesse, meu trabalho ficaria enfadonho, pelas idas e vindas. Por isso,
resolvi organizar os dados segundo palavras-chave que expressassem meus
questionamentos na pesquisa: escolha do curso; experiência docente;
contribuição da licenciatura para a prática docente; Proposta Triangular (compreensão
da proposta e a prática dos eixos) e leitura de imagens. Nessa seleção e
organização do que usar das falas do/as estudantes-professor/as, a cena foi construída.
3.3.1 Escolha
do curso e experiência docente anterior ao ingresso no curso
O entrevistado Mizac
afirma ter escolhido por três motivos: porque gosta de arte, já atuava como
artista e sentia necessidade de se profissionalizar para ser professor. Dada sua
atuação como artista em Uberaba antes de ingressar na licenciatura, Mizac era
convidado por diversos setores (Secretaria Municipal de Educação, Casa do
Artesão, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas/sebrae) para ministrar oficinas de arte. Mas, por ser autodidata,
sentia falta de certos conhecimentos necessários à docência, a exemplo de conhecimentos
sobre como planejar e sobre o ensino. Diz ele:
Mizac não concebia planejamento como organização
da ação docente nem como algo que vai além do preenchimento de formulários de controle
administrativo; afinal, como diz José Carlos Libâneo (1994), o planejamento guia a execução do trabalho docente; através
dele, o professor pode preparar suas aulas com facilidade, visto que pode
prever uma seqüência e assegurar a unidade e coerência do trabalho.
A entrevistada Raquel,
Clésia começou a atuar na
docência como professora na educação não formal, no atual Centro Municipal de
Educação Avançada (cemea), num trabalho que busca ensinar “[...]
valores através do convívio, ensinando as regras, com atividades embasadas na
arte, dança, uma vivência bem diversificada”. O projeto do cemea lhe possibilitou criar formas de ensinar arte e experimentar
técnicas e metodologias. Mas, segundo Clésia, nesta experiência docente faltava
orientação para que ela desempenhasse melhor seu trabalho com o ensino de arte.
No cemea, Clésia sentia que sua coordenadora
não tinha formação suficiente para fornecer suporte e responder a indagações. Ao
se sentir perdida e em dúvidas, procurava a coordenação, mas não obtinha resposta
satisfatória para seu questionamento: “[...] ela [a coordenadora] sempre dava
uma de esquerda e nunca levava a sério”.
Raquel,
A
Antes de entrar na licenciatura,
Mizac tinha experiência docente na prática de oficinas e minicursos de arte.
Ele relata que, de início, usou a “intuição” para lecionar para adolescentes em
situação de risco:
Minha primeira experiência
em que saí do ateliê para ter contato com pessoas, para passar e transmitir
alguma coisa, e receber, [...] já peguei de cara o
público adolescente especial para trabalhar, do conselho tutelar, [...] com problemas de alcoolismo e tudo.
[...] Mas a gente vai apanhando e vai
aprendendo.
Com efeito, um professor
pode entender de muitos conteúdos, pode até dispor de métodos de ensino; mas as
decisões da prática do ensinar são “[...] por si mesmas uma arte, se
entendermos por arte uma estruturação pessoal, uma sintonia específica com a
situação daquele momento” (dussel,
2003, p. 22). Ensinar
exige não só o saber sistemático; também o saber informal; e Mizac reconhece o
valor da experiência na construção desse saber.
Tininha iniciou a
carreira docente na educação infantil. Historiadora, nunca lecionou a disciplina
História: responde pela disciplina Arte em todas as séries iniciais do ensino
fundamental na escola particular onde trabalha e onde, antes, ela desenvolveu o
projeto sobre arte “Portinari para crianças”; um dos resultados desse projeto
foi sua contratação como professora de Arte. Por ter formação em música, também
leciona flauta doce na escola.
Posto isso, uma questão
se impõe: a formação docente, vista há algum tempo como acumulação de
conhecimentos dispostos de forma estática (teoria, livros e técnicas) e
desligados de contextos e relações sociais. Começava na entrada na academia e
terminava no fim do período acadêmico, quando então se estava apto a ditar
conhecimentos para os alunos. Não é segredo que hoje os saberes docentes se
vinculam à identidade docente, à experiência de vida e à história profissional.
Como esclarece Maurice Tardif:
[...] os saberes são elementos constitutivos da prática docente. [...]
articula, simultaneamente [...] diferentes saberes: os saberes sociais,
transformados em saberes escolares através dos saberes disciplinares e dos
saberes curriculares, os saberes oriundos das ciências da educação, os saberes
pedagógicos e os saberes experienciais. Em suma, o professor ideal é alguém que
deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir
certos conhecimentos relativos a ciências da educação e a pedagogia e
desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os
alunos. (tardif, 2003, p. 39).
Assim sendo, então o aprender a ser
professor começa antes de se ingressar na academia. Afinal, como diz Miguel
Arroyo (2000, p. 124), “as lembranças dos mestres
que tivemos podem ter sido nosso primeiro aprendizado como professores. Suas
imagens nos acompanham como as primeiras aprendizagens”. A imagem da primeira
professora ou do primeiro professor está presente na memória e influencia a
atuação como professor.
Hoje a concepção de
formação docente supõe um processo contínuo, ao longo da vida e marcado por sobressaltos,
pelo inesperado, pelo inusitado. Por isso, a formação de professores precisa
ser encarada como percurso, viagem sem parada final. As palavras de Paulo
Freire reiteram essas afirmações:
Nesses termos, licenciaturas
e outros cursos para professores compõem a formação docente. Fundamental é que a
formação inicial considere princípios pedagógicos componentes do trabalho
futuro do docente: interdisciplinaridade, contextualização e integração de
áreas em projetos de ensino. Nas licenciaturas, a condição de aluno prepara o
futuro professor; por isso, as situações de aprendizagem da formação inicial
deverão promover o desenvolvimento de habilidades que, muitas vezes, esse futuro
docente pôde desenvolver (mello,
2000). São as histórias
de vida[3]
do professor e as experiências vividas por ele no percurso acadêmico, pessoal e
profissional que vão ajudar a torná-lo um profissional autônomo, isto é, a consolidar
esse perfil. O saber docente é adquirido no contexto de uma história de vida e
de sua carreira profissional (tardif, 2003).
[1] Do
italiano “
[2] A
[3] Os
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