3.3.2
A licenciatura
Para Clésia, a
contribuição se traduziu em saberes disciplinares. Em sua experiência com arte
na educação não formal, ela se sentia insatisfeita com o parco conhecimento
sobre arte adquirido no magistério; sentia carência de algo mais para organizar
sua atuação em sala de aula. Ela comenta sua experiência docente — construída na
vivência de mundo, na prática, sem fundamentação teórica — e como os
conhecimentos da academia organizaram seus saberes práticos. Clésia foi
incisiva ao esclarecer como o curso modificou sua maneira de dar aulas de arte:
Antes da faculdade, eu
experimentava; tinha minha vivência de mundo e levava [a arte] para a sala de aula, mas sem um eixo, sem
direção. Eu me sentia perdida. Agora, na faculdade, a gente sabe situar os
fazeres no tempo, a gente sabe encaminhar melhor qual o objetivo, o que a gente
quer para cada atividade.
Clésia
Em suma, o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua
disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às
ciências da educação e a pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em
sua experiência cotidiana com os alunos. (tardif,
2003, p. 39).
A busca por conhecimentos
se mostra na fala de Mizac, sob a forma de pesquisa. Antes de entrar na
faculdade, ele esculpia em pedra-sabão e fazia montagens com objetos cotidianos
— sempre confiante em sua sensibilidade e intuição pessoal. Comenta que, por
muito tempo, esteve “preso ao ateliê” e sentiu necessidade de “ter contato com
mais pessoas na rua”; também procurou dar aulas, mas a atividade docente era
exercida empiricamente. Nesse caso, a reflexão foi proporcionada pelo curso.
Diz ele,
[...] a
Cada professor tem seu jeito
de ser professor e de aprender a sê-lo, sua forma de conduzir
a sala de aula e se relacionar com alunos, seu modo de usar recursos
pedagógicos e enfrentar problemas diários. Essa peculiaridade, Nóvoa chama de “espécie
de segunda pele profissional” (nóvoa,
1997, p. 19); Tardif, de
saber experiencial: um saber vivido na individualidade, ligado às funções do
professor — que, no cumprimento delas, é mobilizado, modelado, adquirido. Esses
saberes surgem da experiência e são por ela validados; materializam-se na
experiência individual e coletiva, em forma de habitus[1]
e habilidades, de saber-fazer e saber-ser. Portanto, o saber docente é prático,
interativo, sincrético, heterogêneo, aberto e personalizado. É temporal: transforma-se
e constrói-se na história.
Posto isso, deduz-se que ensinar
é mobilizar saberes, usá-los de novo no trabalho para ajustá-los e
transformá-los pelo e para o trabalho. Segundo Tardif,
Todo saber implica num processo de aprendizagem e de formação e, quanto
mais desenvolvido, formalizado e sistematizado, é um saber, como acontece com
as ciências e os saberes contemporâneos, mais longo e complexo se torna o
processo de aprendizagem, o qual, por sua vez, exige uma formalização e uma
sistematização adequadas. (2002, p. 35).
Nesse sentido, reafirmo: a prática
profissional docente não é espaço de “aplicação” de saberes universitários; é espaço
de ação inteligente, emocional, sobretudo marcada pelo selo da expressividade
da pessoa que age. Esse papel de agente pedagógico não pode ser entendido à
margem da condição humana; “na educação, as ações são, pois, reflexo da singularidade
daqueles que a realizam” (sacristán,
1999, p. 32).
No caso de Raquel, a
licenciatura contribuiu na medida em que enriqueceu seu saber disciplinar e ajudou-a
a construir seu conceito de arte como disciplina. Antes, ela a concebia como instrumento,
recurso pedagógico; agora, sente que pode ser mais que isso:
As palavras de Raquel deixam entrever
que o curso do cesube dissemina idéias pós-modernistas de
arte-educação, pois a arte é considerada como parte da cultura, embora tenha dinâmica
própria; noutras palavras, a arte é objeto de investigação.
No caso de Tininha, a
contribuição mais importante do curso para sua formação converge para a idéia
de que o saber docente é um saber social, porque partilhado e construído
coletivamente; ela reconhece a importância da troca de experiência entre
alunos/as do curso:
Lá na minha turma, cada um
vem de um lugar. Nem todos são artistas e [...] alguns
trouxeram alguma bagagem de coisas que eu não sabia. Então, cada um vai lá e
mostra uma coisa bacana. A gente acaba se interessando e acaba trocando,
ensinando.
Com efeito, a escola é
espaço/tempo de encontro entre gerações de pessoas, de socialização, de interação,
de formação e de aprendizagem das artes de ser. Formar não é tarefa de um
agente só; diz-se que alunos e professores se formam mutuamente, na troca de
conhecimentos e histórias de vida. Para Freire (2004, p. 22), “[...] ensinar não é
transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para sua produção ou sua
construção”. Transferir conhecimentos se justificava tempos atrás, pois a
escola era um dos poucos lugares onde o saber era elaborado. O contexto atual
tem vários espaços de informação que atribuem à escola e ao professor o papel
de gerenciar e significar o conhecimento; o professor — a docência — deixa de ser
transmissor de conhecimento para assumir a tarefa de organizar o conhecimento e
o trabalho do aluno na produção e construção do conhecimento.
Como
se pode deduzir do caso de Tininha, que já atua na docência, o saber docente é
social por ser adquirido, também, em diferentes contextos, inclusive entre colegas:
o conhecimento pode emanar do professor, da sala de aula onde é ela aluna, assim
como da interação com colegas de turma e da socialização profissional. Afinal —
assevera Freire (1996, p. 68) —, “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam
entre si, mediatizados pelo mundo”. O aprender/ensinar ocorre “[...] numa rede
de interações com outras pessoas, num contexto onde o elemento humano é
determinante e dominante e onde estão presentes símbolos, valores sentimentos,
atitudes” (tardif, 2003, p. 50). Por acreditar na colaboração entre professores (como entre colegas de
Tininha já atuantes como professores), deduzo que, também, ela acredita na
troca de experiências e que esta faz parte da aquisição do saber docente entre
professores. “Ainda que as atividades da partilha não sejam consideradas como
obrigação ou responsabilidade profissional, pelos professores, a maior parte
deles expressa a necessidade de partilhar sua experiência.” (tardif, 2003, p. 53).
[1]
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