17 de abril de 2015

Arte e Loucura

Este texto é um trecho do texto que foi escrito por Elisa Muniz Barretto de Carvalho no ano 2005. O texto não chegou a ser publicado.

ARTE E LOUCURA

“A verdade é que arte e loucura, com frequência, andam juntas, de mãos dadas”.
Frederico Morais – 1992


A arte é tão antiga quanto o homem. É um processo de trabalho, um processo de transformação, uma linguagem da sensibilidade humana. Ela se origina de uma necessidade coletiva.
Desde a idade da pedra, o individuo feiticeiro, mágico ou artista, era quem plasmava as palavras, as pinturas nas cavernas e as canções. Esse artista, da pré-história, tem uma função especial: a magia sobre a natureza para o fortalecimento da coletividade.

Na proporção direta em que a sociedade se distancia da vida em harmonia com a natureza, a verdadeira condição humana, o homem cada vez mais se fragmenta. O equilíbrio entre individuo e mundo exterior vai sendo perturbado, rompido.

O desejo do homem de se completar, absorver o mundo, integra-lo a si, preencher sua limitada existência, faz com que a arte se torne imprescindível: um caminho para a plenitude.
O homem necessita da arte independentemente de sua sanidade mental.

A loucura acontece entre os homens, isto é, o engendra na sociedade. O louco é o inadaptado à ordem social vigente. Eles pensam, sentem e agem desafiando os padrões de convivência.
Frequentemente o individuo sente-se acossado de tal maneira no mundo externo, que encontra saída somente na porta da loucura. Humilhados e ofendidos não conseguem por meios próprios, chegar a uma compreensão das contradições e supera-las para alcançar uma nova serenidade, recompor-se com tranquilidade. A volta para a vida “normal” é muito difícil, muito mais difícil devido a não aceitação do seu mundo interno onde agora se encontra e também pela maioria daqueles com que convive. Aqui, arte pode ser um caminho de volta.

A arte com sua dinâmica de criação e transformação quebra regras, busca o novo, o inusitado, até mesmo o que não é normal. Um exemplo é Vincent Van Gogh, um artista, um homem em busca de sua identidade, em busca de uma arte inovadora, em busca da cor portadora de sua expressão individual, de sua imaginação, a cor da realidade da sua psique, vai contra todos os preceitos de uma época! A sociedade o recrimina. Ele corta sua orelha já em delírio.
Como essa há inúmeras histórias de artistas que foram considerados loucos ou realmente enlouqueceram: Camile Claudel, Frida Khalo, Bispo do Rosário...
O que não dizer então do artista da nossa época que, na leitura da sociedade contemporânea, muitas vezes é associado a um louco. Sua arte tenta romper com os modelos anteriores pois propõe soluções nada “normais” para os que os querem normóides.
Faces da arte e da loucura!
Ah! Esta nossa época tão conturbada! Será que ela não empurra o individuo para a loucura?
Não será loucura atirar um avião contra um prédio matando mais de 3.000 pessoas? (atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos)
Não será loucura invadir um país, matar crianças, mulheres e homens, com a justificativa de que se sente ameaçado? ( invasão do Afeganistão e do Iraque pelos Estados Unidos )
Não será loucura trabalhar tanto sem ter lazer?
Será loucura querer que todas as pessoas sejam tratadas como iguais?
Será loucura falar de tudo isso?

Arte e delírio caminham juntos por oceanos, estradas e céus... traduzem fragmentos, recortes de guerras, crimes, caprichos...denunciam horrores, amores, paixões , sonhos transmutam o inominável, o monstruoso sem beleza, em utopia.



Quem pode fazer arte ?


A imaginação é certamente uma faculdade que devemos desenvolver, e só ela nos pode levar a criação de uma natureza mais exaltadora e consoladora do que o rápido olhar para a realidade...
Vicent Van Gogh



Os conceitos de ARTE acompanham as mudanças sociais e históricas, antes, no dizer de Lukács a arte se constitui na prévia ideação da evolução da humanidade.
A partir do século XX, a arte rompe com os padrões clássicos, dando abertura para que o fazer artístico de crianças, loucos e outras minorias, possam ter uma aproximação com o conceito acadêmico da ARTE. A produção infantil pôde se vista com menos preconceitos e também possuidora de uma qualidade estética.
Em 1922, com o livro de Hans Prinzhorn, Expressões da Loucura, uma série de trabalhos de doentes mentais de instituições psiquiátricas é divulgada e reconhecida como obras de qualidade artística. O valor estético desses “loucos” começa então a ser reconhecido publicamente.

O pintor Jean Dubuffet, em 1945 inicia uma das mais importantes pesquisas desenvolvidas na Europa. Cria o conceito de arte bruta que ele define como “produções de toda espécie – desenhos, pinturas, bordados, modelagens esculturas - que apresentam um caráter espontâneo e fortemente inventivo, que nada devem aos padrões culturais da arte, tendo feitos por autores pessoas obscuras, estranhas aos meios artísticos profissionais.” Dubuffet não esperava que a arte fosse normal. Ao contrário , que fosse inédita, imprevista e extremamente imaginativa.

A Arte é, em essência, uma só, não importa se feita por brancos, negros, índios, mulheres, homossexuais, esquizofrênicos ou psicopatas.

“A loucura, em alguns aspectos, não destrói a capacidade criadora. A loucura pode ser uma circunstância como o são a guerra, a fome, a repressão política, o ambiente familiar ou as tradições culturais de um pais. Uma circunstância capaz de impregnar o ato criador e de lhe dar sentido. Por mais adversas que sejam estas circunstâncias, o instinto criador do homem sobrevive.”
Frederico Morais - 1992



A introdução de Ateliês de Arte em Clinicas Psiquiátricas

“A moldura da nossa mente é infinita. Nosso inconsciente é pintado sem proibições. A vida não morre com as perdas externas, mas com as internas.”
Sidney Alves

A introdução de Ateliês de Pintura nas clínicas, aconteceu no Brasil pela primeira vez com a psiquiatra Nise da Silveira na Seção Terapêutica Ocupacional de Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro.
Nise organizou, em 1946, ateliês de pintura e de modelagem pensando num tratamento mais humano para os doentes esquizofrênicos do Centro Psiquiátrico. Quando o atelier foi aberto tinha como monitor o artista Almir Mavignier, pintor de renome internacional e professor de arte. Sua participação foi fundamental na história desse trabalho.
O Centro Psiquiátrico tinha então 1500 (mil e quinhentos) internos, em sua maioria esquizofrênicos crônicos, que normalmente ficavam abandonados no pátio do hospital. Aos poucos a equipe de psicólogos, psiquiatras, e artistas plásticos foi descobrindo um grupo de pessoas que tinha uma produção de destaque.
A produção se revelou de tão alta qualidade e com tal interesse científico que nasceu então a ideia de organizar um espaço que reunisse a arte criada. Hoje, o Museu de Imagens do Inconsciente tem mais de 300 (trezentos) mil documentos (telas, pinturas, desenhos e investigações cientificas) e oferece ao pesquisador condições para o estudo das imagens e símbolos, bem como a possibilidade de acompanhar a evolução de casos clínicos. Diariamente são acrescentadas novas obras o que torna este um museu vivo.
Com este trabalho constata-se que a esquizofrenia não atinge a criatividade ou a inteligência do doente. Combate também a ideia de que os loucos são seres embrutecidos e desprezíveis. Através da expressividade das pinturas pode-se ver a riqueza da alma destas pessoas rotuladas como embrutecidos.
O trabalho no atelier do Centro Psiquiátrico é um acompanhamento durante e depois da criação, onde o psicólogo e o artista estão sempre observando os temas, as cores e as técnicas recorrentes.

“Não fazemos, no ateliê, uma apologia à loucura por valorizarmos sua riqueza criativa. Nosso esforço é para que aceitem de forma mais saudável e prazerosa tal condição mental”.

Os terapeutas não interpretam ou julgam as obras pintadas pelos esquizofrênicos. Ao contrário, estimulam que o próprio artista o faça. “o que fazemos é oferecer-lhe um acompanhamento” explica a psicóloga Maria Abdo. “O efeito da expressão artística é mais imediato – pintando sua angustia, o esquizofrênico despotencializa algumas emoções”.
Nise da Silveira nos dá prova de que loucura também produz arte e o louco consegue meios para expandir sua sensibilidade.


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