4 de julho de 2022

Eixos de aprendizagem da arte na Proposta Triangular

 

2.4  Eixos de aprendizagem da arte na Proposta Triangular

 

A Proposta Triangular se sustenta em três eixos: “[...] o fazer, a leitura e a contextualização” (barbosa, 1998, p. 37). Essa autora define cada eixo e diz como foram interpretados, referindo-se a eles como ações integradoras dos componentes curriculares. Segundo ela, na Proposta Triangular, o eixo fazer artístico é prática artística expressa no trabalho de ateliê, prática que enfatiza a percepção, a fantasia e a imaginação criadora do aluno para possibilitar o desenvolvimento de um processo próprio de criação. Em geral, o fazer artístico não deve se basear na simples imitação de modelos propostos, mas no desenvolvimento da criatividade do educando, a ser expressa nas mais diversas linguagens artísticas.[1] Sobre a importância desse fazer para o ensino e a aprendizagem, Barbosa diz que:

[...] é insubstituível para a aprendizagem da arte e para o desenvolvimento do pensamento/linguagem presentacional, uma forma diferente do pensamento/linguagem discursivo, que caracteriza as áreas nas quais domina o discurso verbal, e também diferentemente do pensamento científico presidido pela lógica. (barbosa, 1996, p. 34).

Ao conceber o fazer como fundamental ao desenvolvimento do pensamento e da linguagem artísticos, Barbosa o entende como resultado de interpretação e representação pessoal interligadas à leitura e contextualização da obra de arte. Espera-se que — diz a autora — os estudantes vivenciem intensamente o processo de criação, desenvolvendo-se tanto nos modos de fazer técnico quanto na representação imaginativa e da expressividade. Ao mesmo tempo, o ensino de arte só pode ser consistente se o fazer artístico (pessoal e coletivo) se relacionar com as produções artísticas, estimulando a aprendizagem da história da arte e da leitura de imagens.

Em A imagem no ensino da arte, Barbosa exemplifica o fazer artístico ao apresentar o trabalho desenvolvido com crianças e adolescentes em visita ao mac. Descreve com detalhes a “prática triangular” e ilustra o fazer artístico com releituras dos visitantes sobre as obras antes analisadas. As releituras foram feitas no trabalho de ateliê. Barbosa argumenta que o fazer artístico ajuda a desenvolver o pensamento visual, mas não basta “[...] para a leitura e o julgamento de qualidade de imagens produzidas por artistas ou do mundo cotidiano que nos cerca” (barbosa 1996, p. 34). Como o ensino da arte na escola objetiva formar não artistas, mas conhecedores e apreciadores da obra de arte, a autora diz ser necessário possibilitar aos estudantes o acesso às diferentes formas artísticas.

O segundo eixo da Proposta Triangular é a leitura da imagem. na primeira publicação sobre a proposta, Barbosa argumenta que o eixo deve ser desenvolvido por exercícios de leitura: “a metodologia usada para leitura de obra de arte varia de acordo com o conhecimento anterior do professor, podendo ser estética, semiológica, iconológica, princípios da gestalt etc.” (barbosa, 1996, p. 19). Ela justifica sua importância para o ensino da arte:

Temos que alfabetizar para a leitura da imagem. Através da leitura das obras de artes plásticas estaremos preparando a criança para a decodificação da gramática visual, da imagem fixa e, através da leitura do cinema e da televisão, a prepararemos para aprender a gramática da imagem em movimento. (barbosa, 1996, p. 34).

A Proposta Triangular pretende que a leitura de imagens se oriente pela busca e descoberta; que seja meio de despertar a crítica no aluno e lhe possibilitar emitir juízos de valor.[2] Em autores que estudam a leitura de imagens, tais como Manguel (2001), Buoro (2002), Pillar (2003) e Rossi (2003), nota-se que o objetivo desta é preparar o educando para compreender uma gramática visual aplicável a qualquer imagem, artística ou não, em qualquer lugar, seja na aula de arte, seja no cotidiano do aluno.

A leitura da imagem, nesta proposta de ensino da arte, desenvolve as habilidades de ver, julgar e interpretar as qualidades das obras, compreendendo os elementos e as relações estabelecidas no todo do trabalho. [...] Ler uma imagem é saboreá-la em seus diversos significados, criando distintas interpretações, prazerosamente. (pillar; vieira, 1992, p. 9).

No processo de leitura, a obra de arte adquire conteúdo expressivo para o educando, por isso é mestra para o desenvolvimento da percepção estética. Quando se lê uma obra — diga-se, quando se reconhecem sentidos nela —, entram em ação conhecimentos artísticos e não artísticos. A leitura ocorre no diálogo do expectador com a obra, num tempo/espaço preciso. Por isso, “[...] não há uma leitura, mas leituras, onde cada um precisa encontrar modos múltiplos de melhor saborear a imagem” (pillar, 1999, p. 20).

Enquanto o pcn/Arte emprega a expressão “apreciação significativa” para se referir a ações como convivência com produções artísticas, análise de formas visuais, contato sensível, reconhecimento de técnicas e experimentação de leitura das formas visuais em diversos meios de comunicação da imagem (brasil, 1997), Barbosa prefere usar leitura de imagem ou da obra de arte. Ela entende que a expressão “apreciação artística” — predominante nos anos de 1970 — pode ser tomada só em sentido estrito: admiração, fruição prazerosa da obra de arte (barbosa, 1996). Diz ela:

Os pcn preferiram designar a decodificação da obra de arte como apreciação. Costumo usar a expressãoleitura” da obra de Arte em lugar de apreciação, por temer que o termo apreciação seja interpretado como um mero deslumbramento, que vai do arrepio ao suspiro romântico. A palavra leitura sugere uma interpretação para a qual colaboram uma gramática, uma sintaxe, um campo de sentido decodificável, a decodificação do mundo e a poética pessoal do decodificador. (barbosa, 2002b, s. p.).

Sobre a variedade de conceitos de semântica quase idêntica para se fazer referência à análise da arte e de imagens, Rossi explica: a palavra leitura pode ser confundida com acesso, apreciação, apreensão, atribuição de sentido, compreensão, recepção, pois todas denotam o processo vivido pelo expectador no diálogo com a obra/imagem — “[...] na interatividade, na pintura, no museu ou na sala de aula, onde, atualmente, milhares de alunos estão a olhar para as reproduções de obras de arte que os professores estão trazendo para as atividades de leitura (rossi, 2003, p. 19).

Como obra de arte nenhuma pode ser apreciada ou avaliada em si mesma, separada do contexto histórico-cultural em que foi produzida, o terceiro eixo da Proposta Triangular para o ensino de arte propõe a contextualização, atividade que vai além das informações meramente factuais e de uma visão histórica cronológica.

A História da Arte e da Cultura deve ser algo vivo e ágil, onde o importante não é um estudo cronológico, mas uma perspectiva inter-relacionada com as produções artísticas, com os conceitos estéticos das diferentes épocas e com o próprio meio social em que determinada expressão artística se dá. (osinski, 2002, p. 110).

Na Proposta Triangular, a contextualização requer conceber a história da arte como processo contínuo, orgânico e dialético, que enfoca, em dado momento histórico, o registro do sentimento estético e da visão do artista ante os acontecimentos que o envolveram no momento de sua criação. Ao conhecer a história da arte, o aluno poderá estabelecer relações mais profundas com sua própria produção artística, possibilitando-lhe intervir e reinventar sua obra. O aluno pode se relacionar com a arte de diversas épocas e estilos, conhecer os diferentes elementos que entraram em sua composição e construir um conhecimento teórico-prático. “A história da arte ajuda as crianças a entender algo do lugar e tempo nos quais as obras de arte são situadas. Nenhuma forma de arte existe no vácuo: parte do significado de qualquer obra depende do entendimento de seu contexto.” (barbosa, 1996, p. 37). Posto que “[...] o conhecimento em arte se dá na intercessão da experimentação, da decodificação[3] e da informação” (barbosa, 1996), na Proposta Triangular importa, então, desenvolver a capacidade de formular hipóteses, julgar, justificar e contextualizar julgamentos sobre imagens artísticas.

A Proposta Triangular[4] resgata a criação contida nas etapas do fazer e do ler obras de arte ampliadas através da compreensão histórica. No dizer de Barbosa (2002b), o foco na contextualização é central na educação contemporânea, seja ela baseada em Freire, Vygotski, Apple ou genericamente construtivista. Se não se exercita a contextualização, corre-se o risco de que, do ponto de vista da arte, a pluralidade cultural se restrinja a uma abordagem aditiva. Embora a história da arte seja um componente da aprendizagem da arte, Barbosa refere-se a este eixo sempre como contextualização, porque esta pode ser não histórica, mas também antropológica, biológica, ecológica, geográfica, psicológica e social. Noutros termos, associa-se o pensamento a um vasto conjunto de saberes, disciplinares ou não (barbosa, 1998).



[1] A princípio voltada ao ensino das artes visuais, a Proposta Triangular estendeu-se para outras linguagens artísticas — teatro, dança e música — e, aos poucos, foi articulada nas ações de assistir, ouvir, ler, atuar, dançar, compor para as demais linguagens. Aqui, contudo, restrinjo-me à aplicação dessa proposta às artes visuais.

[2] Barbosa critica a metodologia de leitura de imagem proposta pelo dbae: “Temos sido cuidadosos para não transformar a leitura de uma obra de arte num simples questionário. Esta simplificação está acontecendo com a metodologia da Getty Foundation nos Estados Unidos” (barbosa, 1996, p. 19).

[3] A decodificação da obra, assim como a criatividade, mobiliza processos mentais como flexibilidade, fluência e elaboração.

[4] Essa proposta pode ser posta em prática com a combinação de três ações: ler, fazer e contextualizar; também pode se articular em seis seqüências, pois a combinação de várias ações e seus conteúdos não tem hierarquia. As seqüências possíveis são: lerfazercontextualizar; lercontextualizarfazer; fazerlercontextualizar; fazercontextualizarler; contextualizarfazerler e contextualizarlerfazer (rizzi, 1999).

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