2.2 Ensino de arte no Brasil: apontamentos
históricos
Vários
acontecimentos influenciaram as práticas educativas em arte. Por exemplo: Semana
de Arte Moderna, em 1922; bienais
internacionais de arte, a partir de 1950; movimentos
de cultura popular dos anos de 1960; contracultura
na década de 1970; surgimento dos
cursos de pós-graduação em arte nos anos de 1980
e as experiências em arte-educação em museus e centros culturais nos anos de 1980 (ferraz; fusari, 1993).
Contudo, destaco aqui as escolinhas de arte como influência no método da livre
expressão no contexto
escolar. Elas
começam com a educação
experimental do poeta, chargista,
desenhista, pintor,
jornalista e educador
Augusto Rodrigues (1913–93), na segunda
metade do século
xx. Nascido no
Recife (pe), Rodrigues fundou, em
1948, a primeira
Escolinha de Arte do Brasil (eab) para crianças, difundiu a idéia
de liberdade de expressão
e valorização da espontaneidade infantil, também, para o currículo do ensino normal.
A princípio, a eab funcionou em
um corredor
da Biblioteca Castro Alves, no Rio de Janeiro. Tinha como característica ser uma experiência aberta,
sem regras
e horários pré-definidos. Nela, as práticas pedagógicas não
diretivas foram incentivadas: as crianças eram livres
para experimentar todo material que estivesse disponível,
podiam desenhar em
grandes papéis, cantar;
colher flores
no jardim e brincar
(itaú cultural, 2006).
Em 1961,
para influenciar o sistema educacional
oficial e disseminar
idéias defendidas pelos
professores integrantes
da eab,
criou-se o Curso Intensivo
de Arte-educação: especialização para docentes do ensino
de arte ministrada por
artistas e críticos
como Cecília Conde,
Fayga Ostrower e Ferreira Gullar (frange, 2001). Até então, não havia curso
universitário que
formasse professores de arte
para atuarem na educação
básica. O ensino
escolar da arte
obedecia à orientação geral da educação
escolar do país,
então preocupada com
a preparação para
o trabalho e a capacitação
profissional de cidadãos,
como se fazia desde
1882. As atividades
artísticas escolares se restringiam ao ensino de geometria,
prendas domésticas ou,
nas escolas particulares,
desenho, música,
canto orfeônico e trabalhos
manuais (ferraz; fusari, 1993).
Em
1971, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação/ldb
(n. 5.692/71) foi reformulada e
modificou a estrutura do ensino. O ensino de arte foi incluído no currículo
escolar como atividade educativa, e não como disciplina, sob a denominação
Educação Artística, a ser desenvolvida por um professor polivalente (com
formação geral nas linguagens musical, plástica e teatral).
A indicação 36/73 afirma que o curso de Licenciatura em Educação Artística
proporcionará sempre a habilitação geral em Educação Artística
— e habilitação específica relacionada com as grandes divisões da arte: não
mais de uma de cada vez, ante a natureza e amplitude dos estudos a realizar. (foerste, 1996, p. 40).
Em 1973,
dada a falta
de professores habilitados para aulas de Educação Artística,
foram criados cursos
de licenciatura curta
(dois anos). O despreparo teórico-metodológico dos educadores formados nessa licenciatura
promoveu um aligeiramento do saber artístico e um ensino de arte inócuo, “[...] uma educação estética
descartável, um
fazer artístico
pouco sólido
e um apreciador
de arte despreparado” (barbosa, 1984, p. 88). A prática
artística nas escolas
foi dominada por desenhos
alusivos a datas
comemorativas, cívicas, religiosas e a festas
escolares. A licenciatura
curta em
Educação Artística
foi uma interpretação errônea do princípio da interdisciplinaridade, porque superficial;
o professor de arte tinha de dominar conteúdos diversos
e três diferentes
linguagens artísticas: artes plásticas,
música e teatro.
O uso de imagens
nas salas de aula
de então era
quase inexistente.
Apreciação estética de obras de arte não era preocupação. Como
esclarece Barbosa (1996,
p 12):
Apreciação artística e história da arte não têm lugar na escola. As
únicas imagens na sala de aula são imagens ruins dos livros didáticos, as
imagens das folhas de colorir e, no melhor dos casos, as imagens produzidas
pelas próprias crianças. Mesmo os livros didáticos são raramente oferecidos às
crianças porque elas não têm dinheiro para comprar livros.
Por volta
de 1980, a insatisfação
gerada pela situação
precária do ensino
de arte no Brasil mobilizou educadores
brasileiros (espelhados em movimentos internacionais da categoria)
em prol
de uma reorganização desse ensino nas escolas. Atentos ao empobrecimento
do universo imagético dos alunos — reduzido a influências
da indústria cultural —, os
arte-educadores brasileiros, organizados
em associações,
reconheceram a necessidade de haver novas concepções e práticas
para o ensino
de arte. É nesse contexto
que Barbosa elabora a Proposta Triangular para o ensino de arte como abordagem que
inclui a prática pedagógica
das artes nas escolas
não mais
centrada no fazer artístico;
agora, ela
se volta à construção
de conhecimentos sobre
arte e à apreciação artística,
com ênfase
no estudo do contexto
histórico de produção
da obra.
Enquanto se aprofundava a luta pró-democracia no Brasil — que
conduziu à reconquista das eleições
diretas para governador,
em 1982,
e para Presidência
da República, em
1984 —, ampliava-se o conhecimento e as mobilizações relativas à situação educacional
do país. Nessa conjuntura,
promulga-se a nova Lei
de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional/ldben (n. 9.394/96); a
promulgação traduzia princípios
propostos pelo Banco
Mundial e sugeria uma sensação falsa de inovação.
Professores e artistas
organizados em federação
(Federação de Arte
Educadores do Brasil/faeb) foram decisivos quanto
a reivindicar e conseguir
a obrigatoriedade do ensino da arte na educação básica.
A
fim de normatizar
os diferentes componentes
curriculares, o então Ministério da Educação
e Cultura (mec) lança,
em 1997,
os Parâmetros Curriculares Nacionais (pcn). Definidos na sua
apresentação como
referenciais para a renovação e reelaboração da proposta curricular brasileira
(brasil, 1997),
Os pcn devem ser entendidos
pelos professores
como documentos
norteadores de sua prática
pedagógica, não
como proposições
de caráter impositivo, a serem seguidas categoricamente. Enquanto
documentos norteadores precisam ser analisados, interpretados e criticados; precisam ser adaptados às necessidades
decorrentes das diferenças étnicas, culturais, de gênero,
etárias, religiosas etc., e das desigualdades socioeconômicas presentes nas multiplicidades das realidades
brasileiras. (almeida; barbosa, 2004, s. p.).
As
diretrizes para o ensino de arte na educação básica são apresentadas em três
documentos: pcn/Arte
para o ensino fundamental (brasil, 1997), Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (brasil,
1998) e pcn/Ensino
médio (brasil, 1999).
A
proposta de um currículo nacional para a educação básica — os pcn — recebeu
pesadas críticas de educadores, por diferentes motivos:
[...] os educadores sabem que
nenhuma prática pedagógica
pode ser transformada por
força da lei
ou de documentos
escritos; transformações desta ordem exigem mudanças nas condições
concretas de trabalho, incluindo-se entre elas uma formação contínua
dos professores/as, melhores
salários, modificações na gestão escolar
e infra-estrutura das escolas, entre
outras. (almeida; barbosa, 2004, s. p.).
A
pesquisadora brasileira Maura Penna deixa clara sua crítica à política educacional
brasileira e aos parâmetros:
“a política educacional
brasileira está atrelada aos interesses dos organismos
internacionais que
concebem a educação como
bem de consumo
e instrumento de adestramento da mão-de-obra para o mercado de trabalho” (penna, 1997, p. 19).
Ainda conforme
essa autora, os pcn
foram organizados sem que houvesse ampla
participação dos professores; foram
construídos com base
no modelo espanhol
de reforma curricular, orientado por
César Coll.
Contratado como consultor
do mec para a elaboração dos
pcn brasileiros, Coll organizou
uma equipe de pareceristas especialistas
em suas
disciplinas, porém
sem representação
de entidades de classe
ou movimentos
docentes, pois
não tencionava criar
um debate sobre o currículo
nacional. A apropriação
do modelo espanhol
como referência
tem dois grandes
equívocos: implantação
de um modelo
formulado no contexto espanhol; contratação
de uma equipe sem
respaldo de entidades de classe
e que desconheciam a realidade
educacional das escolas
de ensino fundamental
e médio.
Os
pcn deixam entrever forte tendência à homogeneização
da educação, e isso
não garante a qualidade
do ensino ante
a variedade cultural do país e ao pouco
que se tem feito
para valorizar a expressão de grupos
culturais minoritário. Ao não incluir professores, alunos e diferentes
segmentos sociais
na participação da construção de uma proposta curricular, de modo
a representar seus
anseios e suas
características culturais, os pcn configuram-se como propostas
fechadas e fadadas a não ser
postas em
prática. Conforme
Almeida e Barbosa (2004), é no processo
que se constrói um
currículo, em
função de necessidades
e problemas próprios
de cada escola,
pois é forjado em
valores e conhecimentos,
habilidades e afetos
de quem, com
a escola, relaciona-se direta ou indiretamente.
Com
grande ênfase nas expressões artísticas eruditas e ocidentais, os pcn/Arte não sensibilizam
o professor quanto à adoção de uma postura multiculturalista; não discute
questões como função da arte em diferentes culturas ou o papel do artista
nestas. Daí se pode supor uma visão elitista da arte. Isso é curioso, visto que
os pcn/Arte
têm clara inspiração na Proposta Triangular de Barbosa, que, no entanto, não é
mencionada. Diz ela:
Quando, em
1997, o governo federal,
por pressões
externas, estabeleceu os Parâmetros Curriculares Nacionais,
a Proposta Triangular
foi a agenda escondida da área
de Arte. Nesses Parâmetros
foi desconsiderado todo o trabalho
de revolução curricular que Paulo Freire desenvolveu quando
secretário municipal de Educação (89–90) com
vasta equipe
de consultores e avaliação permanente. Os pcns brasileiros
dirigidos por um
educador espanhol
des-historicizam nossa experiência educacional
para se apresentarem como
novidade e receita
para a salvação da Educação
Nacional. A nomenclatura
dos componentes da Aprendizagem Triangular designados como:
Fazer Arte (ou Produção), Leitura da Obra
de Arte e Contextualização, foi trocada
para Produção, Apreciação
e Reflexão (da 1ª à 4ª séries) ou Produção, Apreciação e Contextualização (5ª à 8ª séries). Infelizmente,
os pcns não estão
surtindo efeito e a prova
é que o próprio
Ministério de Educação
editou uma série designada Parâmetros em Ação, que é uma espécie de cartilha
para uso dos pcns, determinando a imagem a ser “apreciada” e até
o número de minutos
para observação
da imagem, além
do diálogo a ser
seguido. (barbosa, 2003a, p. 51).
A primeira
associação foi a Sociedade
Brasileira de Educação
através da Arte
(sobreart),
fundada no início dos anos de 1970;
a faeb se
inicia em 1987, quando já existiam 14 associações
estaduais de arte-educadores.
A proposta de elaboração
tem origem na Conferência
Mundial de Educação para
Todos, convocada pela
Organização das Nações
Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura
(unesco), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (unicef), pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento
(pnud) e pelo Banco Mundial.
Foi realizada em 1990, em Jomtien, na
Tailândia, onde nove
países chegaram a algumas posições sobre quais são as necessidades básicas da aprendizagem para
todos, para tornar universal a educação fundamental
e ampliar as oportunidades
de estudo para
crianças, jovens
e adultos.
O texto
original se encontra
em inglês; uso aqui versão em português inédita cedida
por uma das autoras.
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